sábado, 15 de agosto de 2009

Palavras iniciais:

Este Blog...
Prezados amigos, sempre fui muito chegado à obra de São João Bosco.

Quando bem jovem tive em mãos um livro fantástico, chamado "Las Aventuras de Don Bosco", de Hugo Wast. Recomendo a todos este livro que me marcou profundamente.

Depois disso comecei a procurar a obra deste Santo, para conhecê-lo melhor. Assim deparei-me com o livro "Vida y Obra de San Juan Bosco" da BAC (Biblioteca de Autores Cristianos), ai tive contato com os sonhos de São João Bosco e sempre tive uma forte impressão dessas mensagens recebidas do céu.

São João Bosco recebia em sonhos informações, prenúncios, avisos e comunicações providenciais, como ocorreu com inúmeras almas escolhidas. Para dar um exemplo, o próprio São José que foi visitado por um anjo em sonhos, o qual veio tranquilizá-lo, e revelar-lhe a condição de Mãe do Salvador de sua casta esposa, Nossa Senhora.

Com relação aos sonhos de São João Bosco, o Papa Pio IX, ordenou-lhe que consignasse tudo por escrito, em seu sentido literal e de forma detalhada, para maior estímulo dos filhos da Congregação Salesiana.

Sempre quis conhecer os sonhos na sua integridade, e buscando na Internet, esperava achar alguém da família Salesiana que compartisse este tesouro na Internet. Depois de muitas buscas, não encontrei os sonhos em português, nem sequer as obras de um de meus santos de devoção.

Tive vontade, então, de colocar meu grãozinho de areia neste apostolado. Refleti comigo que, se eu era tão atraído por estas coisas, certamente outros haveria que se interessassem. e decidi fazer estas traduções e disponibilizá-las na Internet.

A.M.D.G.

Os Sonhos de São João Bosco


Relatados pelo próprio Santo

DOM BOSCO: Padre dos Jovens

Joãozinho Bosco nasceu em 16 de agosto de 1815 numa pequena fração de Castelnuovo D’Asti, no Piemonte (Itália), chamada popularmente de “os Becchi”.

Ainda criança, a morte do pai fez com que experimentasse a dor de tantos pobres órfãos dos quais se fará pai amoroso. Em Mamãe Margarida, porém, teve um exemplo de vida cristã que marcou profundamente o seu espírito.

Aos nove anos teve um sonho profético: pareceu-lhe estar no meio de uma multidão de crianças ocupadas em brincar; algumas delas, porém, proferiam blasfêmias. Joãozinho lançou-se, então, sobre os blasfemadores com socos e ponta-pés para fazê-los calar; eis, contudo, que se apresenta um Personagem dizendo-lhe: “Deverás ganhar estes teus amigos não com bastonadas, mas com a bondade e o amor... Eu te darei a Mestra sob cuja orientação podes ser sábio, e sem a qual, qualquer sabedoria torna-se estultícia”. O Personagem era Jesus e a Mestra Maria Santíssima, sob cuja orientação se abandonou por toda a vida e a quem honrou com o título de “Auxiliadora dos Cristãos”.

Foi assim que João quis aprender a ser saltimbanco, prestidigitador, cantor, malabarista, para poder atrair a si os companheiros e mantê-los longe do pecado. “Se estão comigo, dizia à mãe, não falam mal”. Desejando fazer-se padre para dedicar-se totalmente à salvação das crianças, enquanto trabalhava de dia, passava as noites sobre os livros, até que, aos vinte anos, pode entrar no Seminário de Chieri e, em 1841, ser ordenado Sacerdote em Turim, aos vinte e seis anos. Turim, naqueles tempos, estava cheia de jovens pobres em busca de trabalho, órfãos ou abandonados, expostos a muitos perigos para alma e para o corpo. Dom Bosco começou a reuni-los aos domingos, às vezes numa igreja, outras num prado, ou ainda numa praça para fazê-los brincar e instruí-los no Catecismo até que, após cinco anos de grandes dificuldades, conseguiu estabelecer-se no bairro periférico de Valdocco e abrir o seu primeiro Oratório.

Os garotos encontravam aí alimento e moradia, estudavam ou aprendiam uma profissão, mas sobretudo aprendiam a amar o Senhor: São Domingos Sávio era um deles. Dom Bosco era amado incrivelmente pelos seus “molequinhos” (como os chamava). A quem lhe perguntava o segredo de tanta ascendência, respondia: “Com a bondade e o amor, eu procuro ganhar estes meus amigos para o Senhor”. Sacrificou por eles seu pouco dinheiro, seu tempo, seu engenho, que era agudíssimo, sua própria saúde. Com eles se fez santo. Para eles fundou a Congregação Salesiana, formada por sacerdotes e leigos que querem continuar a sua obra e à qual deu como “finalidade principal apoiar e defender a autoridade do Papa”.

Querendo estender o seu apostolado também às meninas, fundou, com Santa Maria Domingas Mazzarello, a Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora. Os Salesianos e as Filhas de Maria Auxiliadora espalharam-se pelo mundo todo a serviço dos jovens, dos pobres e dos que sofrem, com escolas de todos os tipos e graus, institutos técnicos e profissionais, hospitais, dispensários, oratórios e paróquias. Dedicou todo o seu tempo livre subtraído, muitas vezes, ao sono, para escrever e divulgar opúsculos fáceis para a instrução cristã do povo.

Foi, além de um homem de caridade operosa, um místico entre os maiores. Toda a sua obra foi haurida na união íntima com Deus que, desde jovem, cultivou zelosamente e desenvolveu no abandono filial e fiel ao plano que Deus tinha predisposto para ele, guiado passo a passo por Maria Santíssima, que foi a Inspiradora e a Guia de toda a sua ação.

Sua perfeita união com Deus foi, talvez como em poucos Santos, unida a uma humanidade entre as mais ricas pela bondade, inteligência e equilíbrio, à qual se acrescenta o valor de um conhecimento excepcional do espírito, amadurecido nas longas horas passadas todos os dias no ministério das confissões, na adoração ao Santíssimo Sacramento e no contato contínuo com os jovens e com pessoas de todas as idades e condições.

Dom Bosco formou gerações de santos porque levou os seus jovens ao amor de Deus, à realidade da morte, do julgamento de Deus, do Inferno eterno, da necessidade de rezar, de fugir do pecado e das ocasiões que levam a pecar, e de aproximar-se freqüentemente dos Sacramentos.

“Meus caros, eu vos amo de todo o coração, e basta que sejais jovens para que vos ame muitíssimo”. Amava de tal forma que cada um pensava ser o predileto.

“Encontrareis escritores muito mais virtuosos e doutos do que eu, mas dificilmente podereis encontrar alguém que vos ame mais em Jesus Cristo, e mais do que eu deseje a vossa verdadeira felicidade”.

Extenuado em suas forças pelo incessante trabalho, adoentou-se gravemente. Particular comovente: muitos jovens ofereceram ao Senhor a própria vida por ele. “... Aquilo que fiz, eu o fiz para o Senhor... Poder-se-ia ter feito mais... Mas os meus filhos o farão... A nossa Congregação é conduzida por Deus e protegida por Maria Auxiliadora”.

Uma de suas recomendações foi esta: “Dizei aos jovens que os espero no Paraíso...”. Expirava em 31 de janeiro de 1888, em seu pobre quartinho de Valdocco, aos 72 anos de idade. Em 1º de Abril de 1934, foi proclamado santo pelo papa Pio XI, que teve a felicidade de conhecê-lo.

A Missão Futura – Sonho de 1824

Este sonho é o primeiro de uma série, com que a Divina Providência ilustrou a vida de São João Bosco, e aconteceu no ano 1824, quando o santo contava nove anos de idade; sendo seu cenário a aldeia de Becchi, pertencente a Castelnuovo do Asti, no Piamonte. Vivia então o menino João Bosco com sua mãe Margarida Occhiena, com a avó paterna e com dois irmãos mais: Antonio, filho do primeiro matrimônio do pai (já defunto), e José, primogênito de Margarida e de Francisco Bosco.

Conta o mesmo São João Bosco

Aos nove anos tive um sonho que ficou profundamente impresso durante toda a minha vida.
Pareceu-me estar perto de minha casa; em um amplo pátio no que uma grande multidão de meninos se divertia. Uns riam, outros jogavam e não poucos blasfemavam. Para não ouvir aquelas blasfêmias me arrojei imediatamente em meio deles, empregando meus punhos e minhas palavras para fazê-los calar. Naquele momento apareceu um Homem de aspecto venerável, de idade viril, nobremente vestido. Um manto branco cobria toda sua pessoa e seu rosto era tão resplandecente, que eu não podia olhá-lo com fixidez. Chamou-me por meu nome e me ordenou que me pusesse à frente daqueles moços acrescentando estas palavras:

—Não com golpes, mas com mansidão e caridade deverás ganhar estes teus amigos. Coloca-te, pois, imediatamente a lhes fazer uma instrução sobre a feiúra do pecado e sobre a beleza da virtude.
Confuso e aturdido lhe repliquei que eu era um pobre menino ignorante; incapaz de falar de religião a aqueles jovens. Naquele momento os moços cessaram suas rixas, berros e blasfêmias, rodeando-me e ouvindo a quem falava. Eu, sem saber o que me dizia, acrescentei:
—Quem é o Senhor e por que me manda coisas impossíveis?
—Precisamente porque parecem impossíveis, deves torná-los possíveis com a obediência e com o estudo da ciência.
—Onde e com que meios poderei apreender a ciência?
—Eu te darei a Mestra baixo cuja guia poderás chegar a ser sábio e sem a qual toda ciência é vã.
—Mas quem é o Senhor que me fala dessa maneira?
—Eu sou o Filho daquela a quem tua mãe ensinou-te a saudar três vezes ao dia.
—Minha mãe me tem dito que não me junte com quem não conheço sem sua permissão; por isso, me diga seu nome.
—Meu nome, pergunta a minha Mãe.

Naquele momento vi junto a Ele, a uma Senhora de majestoso aspecto, vestida com um manto que resplandecia por toda parte como se cada ponto dele fosse uma belíssima estrela. A me ver cada vez mais confuso com minhas perguntas e respostas, indicou-me que me aproximasse dEla; e tomando-me da mão bondosamente:

—Olha! —Disse-me.
Observei a meu redor e me dava conta de que todos aqueles meninos tinham desaparecido e em seu lugar vi uma multidão de cabritos, cães, gatos, ursos e outros animais diversos.
Eis aqui o campo no qual deves trabalhar —continuou dizendo a Senhora—. Faz-te humilde, forte e corajoso, e o que vês neste momento que sucede a estes animais, você terá que fazê-lo com meus filhos.
Voltei então a olhar e eis aqui que, ao invés dos animais ferozes apareceram outros tantos cordeiros que, pulando e balindo, corriam a rodear a Senhora e ao Senhor para lhes festejar.
Então, sempre em sonhos, comecei a chorar e roguei a Aquela Senhora que me explicasse o significado de tudo aquilo, pois eu nada compreendia. Então Ela, me pondo a mão sobre a cabeça, disse-me:
—Com o tempo compreenderás tudo.
Dito isto, um som despertou-me e tudo desapareceu.
A interpretação do sonho de São João Bosco
por seus familiares

Eu fiquei desconcertado. Parecia-me que as mãos doíam pelos golpes que tinha dado e a cara pelas bofetadas recebidas daqueles jovens. Além disso, a presença daquele Personagem e daquela Senhora; as coisas ditas e ouvidas, absorveram-me a mente de tal modo, que em toda a noite não consegui conciliar meu sono. Na manhã seguinte contei imediatamente o sonho, em primeiro lugar, a meus irmãos, que começaram a rir; depois, a minha mãe e à avó. Cada um o interpretou a sua maneira. Meu irmão José disse:
—Sem dúvida serás pastor de cabras, de ovelhas e de outros animais.
Minha mãe:
—Quem sabe se algum dia chegarás a ser sacerdote!
Antonio disse com tom zombador:
—Talvez chegues a ser capitão de bandidos.
Mas a minha avó, que sabia muita teologia embora fosse analfabeta, deu a sentença definitiva dizendo:
—Não deves fazer caso dos sonhos.
Eu era do parecer da avó; contudo, não foi possível apagar da minha mente aquele sonho.

O Beato Papa Pio IX pede a São João
Bosco para escrever os sonhos para
o bem dos outros
O que exporei a seguir emprestará alguma elucidação ao que antecede. Nunca mais voltei a contar este sonho; meus parentes não lhe deram importância; mas quando no ano 1858 fui a Roma para tratar com o beato Papa Pio IX sobre a Congregação Salesiana, o Sumo Pontífice me fez contar-lhe minuciosamente tudo aquilo que tivesse apenas aparências de sobrenatural. Então narrei pela primeira vez o sonho que tive à idade de nove anos.
O Papa ordenou-me que consignasse tudo por escrito, em seu sentido literal e de forma detalhada, para maior estímulo dos filhos da Congregação, em cujo interesse havia eu realizado aquela viajem a Roma.
(Memórias Biográficas 3 Vol. 1, págs. 122-126.—Memórias do Oratório págs. 22-26)

Admoestação do Céu —1830

O presente sonho está somente esboçado nas Memórias do Oratório com estas palavras:
"Por aquele tempo tive outro sonho, no qual fui severamente admoestado, por ter posto minha esperança nos homens e não no Pai Celestial".
Para compreender o significado destas palavras, temos que recordar um fato decisivo da infância de São João Bosco.

São João Bosco conhece o seu primeiro protetor aos 10 anos; Dom José Calosso

Era uma tarde do ano 1825; voltava João da Butigliera, alegre aldeia próxima ao Becchi. Tinha ido só com o piedoso fim de assistir a uma Missão que ali se dava, para lucrar o Jubileu do Ano Santo, concedido por Leão XIII e estendido já ao círculo católico.

Seu porte era grave e sereno; sua compostura e recolhimento, chamaram poderosamente a atenção de um sacerdote que lhe seguia: Dom José Calosso, capelão da aldeia de Murialdo. O sacerdote, fazendo ao menino sinal de que se aproximasse, perguntou-lhe quem era, de onde vinha e por que sendo de tão curta idade, ia aos sermões da Missão, acrescentando:

—Certamente tua mãe teria feito uma conversa melhor e mais adequada a tua idade e condição.

Joãozinho afirmou que, em efeito, as conversas de sua mãe eram muito proveitosas, mas que lhe agradava ouvir os missionários; aos quais entendia perfeitamente, e para demonstrá-lo foi repetindo ao sacerdote, quase literalmente, os sermões ouvidos ponto por ponto.

Maravilhado o virtuoso capelão dos dotes de engenho do pequeno, perguntou-lhe emocionado:

—Você gostaria de estudar?
—Muito! —replicou Joãozinho —. Mas não posso.
—Quem lhe impede isso?
—Meu irmão Antonio, pois diz que estudar é perder o tempo; que é melhor que me dedique às tarefas do campo.
—E você, para que quereria estudar?
—Para chegar a ser sacerdote.
—E para que desejas ser sacerdote?
—Para poder instruir a muitos de meus companheiros que não são maus, mas que chegarão a sê-lo se ninguém se ocupa deles.

Dom Calosso, comovido perante esta maneira de raciocinar, tomou sob seu amparo ao menino, dando-lhe aula durante os invernos de 1827 e 1828.

Dom José Calosso falece quando
São João Bosco tinha 15 anos

Mas numa manhã de outono de 1830, enquanto João se encontrava em sua aldeia nativa visitando sua mãe, recebe aviso de voltar rapidamente para Murialdo, pois seu bom professor Dom Calosso, atacado repentinamente de enfermidade mortal, chama-lhe com urgência. Voou João ao lado de seu benfeitor, ao qual encontrou desgraçadamente no leito, perdido já o uso da palavra. O moribundo pôde reconhecer ao amado discípulo a quem fez sinal de aproximar-se, e fazendo um esforço supremo lhe consignou uma chave que guardava debaixo do travesseiro, assinalando a mesa de seu escritório. O discípulo tomou a chave, ajoelhou-se junto ao leito de seu benfeitor e ali permaneceu aflito e suplicante até que o professor, e amigo de sua alma faleceu, sem ter podido articular palavra.

Morto Dom Calosso, chegaram os sobrinhos; João lhes entregou a chave recebida de seu professor dizendo:

—Seu tio me entregou esta chave indicando-me que não a desse a ninguém. Várias pessoas me asseguram que é meu quanto a gaveta da mesa contém, mas Dom Calosso nada me disse expressamente. Prefiro minha pobreza a ser causa de desgostos. Eles tomaram a chave e quanto havia na gaveta da mesa.

A morte do benfeitor foi um verdadeiro desastre para o João. Amava a Dom Calosso meigamente. Sua lembrança ficou gravada para sempre em sua alma, deixando consignados estes sentimentos em suas Memórias com estas palavras:

"Sempre roguei a Deus por este meu benfeitor, e, enquanto viva, não deixarei de rezar por ele".

Conhecido este episódio e o estado de ânimo do jovem estudante, é fácil compreender o significado e alcance deste sonho.
(M. B. Tomo I, pág. 218.—M. O. Década 1 -4, págs. 43-44)

Olhando para o futuro — 1831

Estando João como estudante no Castelnuovo, teve relações de amizade com um jovem chamado José Turco, que o pôs em contato com sua família. Esta possuía uma vinha situada em uma paragem denominada Renenta, próxima à aldeiola do Susambrino. À dita vinha costumava ir João com freqüência, por ser lugar afastado do caminho que atravessava o vale e, portanto, mais tranqüilo. De um morro podia dar-se conta de quem entrava na vinha dos Turco, e, sem ser visto, defendia as uvas contra qualquer agressão, sem deixar por isso os seus livros.

O pai do José Turco, que professava grande estima ao amigo de seu filho, encontrando-se em certa ocasião com o João, disse-lhe enquanto lhe punha uma mão sobre a cabeça:

—Animo, Joãozinho, sei bom e estudioso e verás como a Virgem te protege.

—Nela pus toda minha confiança —replicou o moço— ; mas me assaltam freqüentes dúvidas. Desejaria seguir os cursos de latim e me fazer sacerdote, mas minha mãe não tem meios para me ajudar.

—Não tema, moço, já verá como o Senhor te aplaina o caminho.

—Assim o espero —concluiu João—. E despedindo-se de seu interlocutor foi ocupar seu posto, em atitude pensativa, enquanto ia repetindo:

—Quem sabe se...?

Mas hei aqui que alguns dias depois, o senhor Turco e seu filhinho viram o João atravessar a vinha e vir alegre e pressuroso ao encontro de ambos dando visíveis mostras de satisfação.

—Que novidades há?, —pergunto-lhe o proprietário—; pois você está tão alegre, e faz alguns dias você se mostrava tão preocupado.

—Boas notícias! Boas notícias!, —exclamou João—.

—Esta noite tive um sonho, segundo o qual continuarei meus estudos, chegarei a ser sacerdote e me porei à frente de numerosos meninos, me dedicando à educação dos mesmos durante toda a vida.

—Assim que tudo está arrumado e logo serei sacerdote.

—Mas, isso não é mais que um sonho —observou o senhor Turco— e já sabes que do dito ao feito há um grande trecho.

—Oh! O resto não me interessa. Sim; —concluiu João—, serei sacerdote; por-me-ei à frente de muitíssimos jovens, e lhes farei muito bem.

E assim dizendo, muito contente, dirigiu-se a ocupar seu posto de vigia.

Na manhã seguinte, ao retornar da paróquia, onde tinha ouvido a Missa, foi visitar a família de Turco; e a senhora Luzia, chamando a seus irmãos, com os quais João estava acostumado a falar freqüentemente, perguntou ao moço sobre o motivo da alegria que lhe refletia no semblante. João então assegurou a seus ouvintes que tinha tido um formoso sonho. Como lhe pedissem que o contasse disse:

Que tinha visto vir para si a uma majestosa Senhora que conduzia um rebanho muito numeroso e que se aproximando dele o chamou pelo seu nome, e lhe disse:

—Joãozinho, aqui tens este rebanho; a teus cuidados Eu os confio.

—E como farei eu para guardar e cuidar tantas ovelhas e tantos cordeirinhos? Onde encontrarei pastos suficientes?

A Senhora lhe respondeu:

—Não temas; Eu estarei contigo.

E desapareceu.

Dom João Batista Lemoyne, biógrafo de São João Bosco, escreve nas Memórias: "Esta narração a ouvimos de lábios do senhor Turco" e está perfeitamente de acordo com a seguinte declaração consignada por Dom Bosco nas Memórias do Oratório:

"Aos dezesseis anos tive outro sonho".

(M. B. Tomo I, págs. 243-244.—M. O. Década 1, pág. 4.)

Enfermidade de Antonio Bosco — 1832

Numa ocasião Dom Bosco sonhou que seu irmão Antonio, enquanto fazia o pão em casa da senhora Damevino, próxima à sua, foi assaltado pela febre, e que havendo-o encontrado no caminho e ao lhe perguntar sobre o particular, havia-lhe dito:

—Faz um momento começou a me dar febre; não posso me manter em pé. Terei que ir à cama.

Ao dia seguinte contou este sonho a seus companheiros, que exclamaram:

—Pode ter a segurança de que aconteceu como nos referiste.

E assim foi, em efeito. Na tarde seguinte chegou ao Chieri o irmão José, ao qual perguntou João imediatamente:

—E Antonio, está melhor?

José, maravilhado daquela pergunta, replicou:

—Mas você sabia que ele estava doente?
—Sim, que sabia —respondeu João.

—Acredito que não é coisa de importância —continuou José—. Ontem começou a ter um pouco de febre enquanto fazia o pão em casa da senhora Damevino; mas já está melhor.
Fazemos notar como neste evento o Santo de Deus põe de manifesto os sentimentos mais íntimos de seu coração.

(M. B. Tomo I, pág. 269)

A Pastora e o rebanho —1844

Conta Dom Bosco em suas Memórias:
"O segundo domingo de outubro daquele ano de 1884, tinha que comunicar a meus moços que o Oratório tinha que ser transladado ao Valdocco. Mas a incerteza do lugar, das pessoas, dos meios com que tinha que contar me tinham bastante preocupado. Na noite precedente fui descansar com o coração cheio de inquietação. Durante toda ela tive um sonho que me pareceu como um apêndice de que tive pela primeira vez em Becchi quando tinha nove anos. Meu desejo é expô-lo aqui literalmente".
"Sonhei que me encontrava em meio de uma grande quantidade de lobos, de cabras, cabritos, cordeiros, ovelhas, cavalos, pássaros, cães... Todos ao mesmo tempo faziam um ruído, um estrépito, ou melhor dizendo, um estrondo diabólico, capaz de infundir espanto ao mais corajoso. Eu quis fugir, quando uma Senhora, admiravelmente vestida de Pastora, indicou-me que seguisse e acompanhasse a aquela estranha grei, enquanto Ela ia diante. Andamos vagando de um lugar a outro: fizemos três estações ou paradas; em cada uma delas muitos daqueles animais se permutavam em cordeiros, cujo número ia progressivamente em aumento. Depois de ter caminhado muito, encontrei-me em um prado, no que aquelas bestas começaram a provocar desordem e a comer ao mesmo tempo, sem que as umas incomodassem às outras.
Afligido pelo cansaço, quis me sentar ao bordo de um caminho próximo, mas a Pastora me convidou a que prosseguisse adiante. Depois de percorrer um breve espaço de terreno, encontrei-me em um amplo pátio com um pórtico ao redor, em cujo extremo havia uma igreja. Então me dava conta de que as quatro quintas partes daqueles animais se converteram em cordeiros. Seu número aumentou. Naquele momento chegaram alguns pastores para custodiá-los, mas depois de deter-se um pouco, partiram. Depois aconteceu algo maravilhoso. Muitos cordeiros se permutavam em pastores, que, ao crescer em número, cuidavam de outros. Ao aumentar tão grandemente o número dos pastores, dividiram-se em grupos e partiram a diversos lugares, para reunir a outros animais estranhos e guiá-los a distintos redis.
Eu quis partir porque me parecia que era a hora de celebrar a Santa Missa, mas a Pastora me convidou a dirigir o olhar ao meio dia. Então vi um campo semeado de milho, batatas, repolhos, beterrabas, alfaces e outras hortaliças.
—Olhe outra vez, — disse-me a Pastora.
E ao dirigir minha vista a aquele mesmo lugar, vi uma magnífica igreja.
Uma orquestra e uma banda de música instrumental e um agrupamento coral me convidaram a cantar a Missa. No interior daquela igreja se via uma franja branca, na qual se lia escrito com caracteres cubitais: Hic domus mea, inde glorifica mea.
Continuando o sonho, quis perguntar à Pastora onde me encontrava; o que significavam aquela caminhada, as paradas, a casa, a primeira igreja e a segunda.
—Tudo o compreenderás —me disse— quando com os olhos materiais vejas quanto pudeste apreciar com os olhos da mente.
Mas, me parecendo que estava acordado, disse-lhe:
—Eu o vejo tudo claramente com meus olhos materiais; sei aonde vou e o que faço.
Naquele momento soou o sino do Ângelus da igreja de São Francisco de Assis e despertei.
Este sonho me ocupou quase toda a noite; vi durante ele outros muitos detalhes. Então compreendi pouco de seu significado, pois, desconfiando de mim dava pouco crédito a quanto tinha visto; mas tudo o fui compreendendo quando se impôs a realidade dos fatos.
As três paradas indicadas neste sonho representam o traslado do Oratório ao Refúgio da Marquesa Barolo, onde se instalou a primeira capela dedicada a São Francisco de Sales; a marcha deste lugar a São Martín dos Moinhos Dora e, por último, a ida à Casa Moretta, alugada por São João Bosco em novembro do 1845 e ocupada até a primavera do ano seguinte.
O pátio com seus pórticos e com a igreja que viu no sonho, são os do Oratório instalado já definitivamente no abrigo Pinardi; referimos-nos à primeira igreja contemplada na visão.
A segunda igreja, à qual qualifica de magnífica, não é outra que a de São Francisco de Sales, consagrada em 20 de junho de 1852.
A frase latina que aparece no sonho foi vista por São João Bosco em três ocasiões e formas distintas.
A primeira na "magnífica igreja" do sonho que acabamos de narrar em que pôde ver escrito em caracteres cubitais «HlC DOMUS MEA, INDE GLORIFICA MEA». A segunda vez lhe pareceu contemplar um mote parecido na Capela Pinardi: «HAEC EST DOMUS MEA, INDE GLORIFICA MEA". A terceira vez leu na fachada de uma casa capaz para dar acolhida a várias centenas de jovenzinhos, casa que ainda não existia: «HlC NOMEN MEUM, HINC INDE EXIBIT GLORIFICA MEA».
(Tomo II, págs. 243-245. —M. O. Déc. II, págs. 134-136)

O trabalho escolar —1831

Durante seus quatro anos de estudante no Chieri, João deu amostras de que, além de sua prodigiosa memória e de seu engenho, ajudava-lhe em seus estudos alguma outra secreta virtude. Tal é a opinião de muitos de seus antigos condiscípulos que deram fé do fato seguinte:
Uma noite sonhou que o professor tinha escolhido o tema para determinar os postos de mérito da classe e que ele estava fazendo-o.
Apenas despertou, saltou do leito e escreveu o trabalho escolhido, que era um ditado em língua latina; depois, começou a traduzi-lo, fazendo-se ajudar de um sacerdote amigo dele. Na manhã seguinte o professor ditou o tema na classe para assinalar a ordem de mérito entre os alunos, trabalho que era exatamente o mesmo com que João tinha sonhado; de forma que, sem necessidade do dicionário e em muito breve tempo, escreveu-o imediatamente tal como recordava havê-lo feito no sonho, com as oportunas correções que lhe fizesse o amigo, conseguindo um completo êxito. Interrogado pelo professor, expôs ingenuamente o acontecido, causando em este verdadeira admiração.
Em outra ocasião João entregou a página de seu trabalho tão logo, que ao professor não lhe parecia possível que tivesse podido superar, em tão breve tempo, tantas, dificuldades de ordem gramatical; por isso leu atentamente o tema que João lhe tinha entregado. Duvidando da origem daquele trabalho, pediu-lhe que lhe apresentasse o rascunho. João obedeceu causando novo estupor no professor. Este tinha preparado o tema na tarde anterior e como o considerasse muito comprido, tinha ditado aos alunos somente a metade. No caderno do João o encontra completo; nenhuma sílaba mais, nenhuma sílaba menos. Como se podia explicar aquele fenômeno? Não era possível que em tão pouco tempo o aluno tivesse copiado o original, nem que tivesse estado na sua habitação, pois a pensão em que se hospedava João estava muito longe da casa do professor. Portanto? Bosco pôs as coisas em claro:
—tive um sonho no qual vi o tema.
Por este e por outros acontecimentos semelhantes, os companheiros da pensão lhe chamavam o sonhador.
(M. B. Tomo I, pág. 253)

Sobre e eleição de estado —1834

Aproximava-se o final do Curso de humanidades 1833-34, época em que os estudantes que terminam ditos estudos pensam sobre o rumo de sua vocação.

"O sonho do Murialdo —escreve Dom Bosco em suas Memórias— perdurava gravado em minha mente, de tal maneira que a visão do mesmo se renovava em mim, cada vez com maior claridade. Portanto, se queria lhe emprestar fé, devia escolher o estado eclesiástico, pelo qual sentia verdadeira inclinação; mas ao me encontrar falto das virtudes necessárias, minha decisão se fazia difícil e duvidosa. Oh, se tivesse tido então um guia que cuidasse de minha vocação! Dispunha de um confessor que queria fazer de mim um bom cristão, mas nunca quis mesclar-se nos assuntos de minha vocação.

Consultando comigo mesmo e depois de ler algum livro que tratava sobre a eleição de estado, decidi-me a entrar na Ordem Franciscana. Se me fizer clérigo secular —me dizia a mim mesmo— minha vocação corre grande risco de naufrágio. Abraçarei o estado religioso, renunciarei ao mundo, entrarei em um claustro, entregar-me-ei ao estudo, à meditação e no retiro poderei combater as paixões, especialmente a soberba, que tinha jogado fundas raízes em meu coração. Fiz, portanto, a petição ao Convento de Reformados; fiz a prova; fui aceito, ficando tudo preparado para meu ingresso no Convento de La Paz, em Chieri.

"Poucos dias antes da data estabelecida para minha entrada, tive um sonho muito estranho".

Pareceu-me ver uma multidão de religiosos de dita Ordem com os hábitos sujos e rasgados, correndo em sentido contrário uns dos outros. Um deles se aproximou de mim para me dizer:

—Você procura a paz e aqui não encontrasse a paz. Já vê a situação de seus irmãos. Deus te tem preparado outro lugar e outra colheita.

Quis fazer algumas pergunta a aquele religioso, mas um ruído despertou-me e não voltei a ver coisa alguma.

Expus tudo a meu diretor que não quis ouvir falar nem de sonhos nem de frades:

—Neste assunto —me disse— é necessário que cada um siga suas inclinações e não os conselhos de outros.

Tal é a versão do texto das Memórias de Dom Bosco.

Dom Lemoyne se expressa nestes términos nas Memórias Biográficas ao relatar o mesmo sonho:

"Aproximando-a festa de Páscoa, contava o mesmo Dom Bosco, que naquele ano de 1834 caiu em 30 de março, fiz a petição para ser admitido entre os Franciscanos Reformados. Enquanto aguardava a resposta e sem ter manifestado a ninguém meus propósitos, eis que um bom dia se me apresenta um companheiro chamado Eugenio Balanço, com o qual tinha pouca familiaridade e me pergunta:

—O que, decidiste ser franciscano?

Olhei-o maravilhado e lhe disse:

—Quem te há dito isso?

E me ensinando uma carta, replicou:

—Comunicam-me que lhe aguardam em Turim para render prova junto comigo, pois eu também decidi abraçar o estado religioso nesta Ordem.

Fui pois, ao Convento de Santa Maria dos Anjos, em Turim; fiz o exame e fui aceito a partir da metade de abril, ficando tudo preparado para ingressar no Convento de La Paz, de Chieri. "Mas pouco antes da data assinalada para meu ingresso em dito Convento, tive um sonho muito estranho".

E a seguir segue o relato do mesmo tal e como o consignamos anteriormente, traduzido das Memórias pessoais de Dom Bosco.

Os Pais Franciscanos conservam um certificado relacionado com este fato que diz assim:

"Anno 1834 receptus fuit in conventu S. Mariae Angelorum Ord. Reformat. S. Francisci, juvenis Joannes Bosco, ao Castronovo, natus die 17 augusti 1815, baptizatus, et confirmatus. Habet requisita et vota omnia.—Die 18 aprilis.

ex-livro II, in quo describuntur juvenes postulantes ad Ordinem acceptati et aprobati ab anno 1638 ad annum 1838. Pai Constantino da Valcamonica".

(M. B. Tomo I, págs. 301-302. —M. O. Década 1,14; págs. 79-81)

O sonho dos vinte e um anos — 1831

Até chegar ao sacerdócio, o clérigo Bosco estava acostumado a subir todos os dias à colina que dominava a vinha, propriedade do senhor Turco, passando muitas horas à sombra das árvores que a coroavam.

Em dito lugar se dedicava a estudar as matérias que não tinha podido ver durante o ano escolástico; especialmente a História do Antigo e do Novo Testamento do Calmet, a Geografia dos Santos Lugares e os rudimentos da língua hebréia, conseguindo notáveis conhecimentos sobre cada uma destas disciplinas.

Ainda no ano de 1884 se recordava dos estudos feitos sobre dita língua e assim o ouvimos em Roma, com grande estupor, discutir sobre esta matéria com um sacerdote professor de hebreu e falar sobre o valor gramatical e o significado de certas frases dos Profetas, confrontando vários textos paralelos de diversos livros da Bíblia. Ocupava-se também da tradução do Novo Testamento do grego e de preparar alguns sermões. Prevendo a necessidade que teria no futuro das línguas modernas, deu-se neste tempo ao estudo da língua francesa. Depois do latim e do italiano, professou uma predileção especial aos idiomas hebreu, grego e francês. Muitas vezes lhe ouvimos dizer:

—Meus estudos os fiz na vinha do José Turco, em Renenta.

E a finalidade que perseguia ao estudar, era fazer-se digno de sua vocação, capacitando-se para instruir e educar a juventude.

Com efeito, como um dia se aproximasse do José Turco, com o qual lhe unia uma estreita amizade, enquanto trabalhava na vinha, este começou a lhe dizer:

—Agora é clérigo e logo será sacerdote. Que fará então?

João lhe respondeu:

—Não sinto inclinação para o cargo de pároco ou de vigário-ajudante; em troca eu gostaria de congregar ao redor a muitos jovenzinhos abandonados para instruí-los e educá-los cristãmente.

Havendo-se encontrado outro dia com o mesmo, João lhe confiou que tinha tido um sonho no qual lhe indicava que ao correr dos anos se estabeleceria em certo lugar, onde recolheria um grande número de jovenzinhos para instruí-los e orientá-los pelo caminho da salvação. Nada disse do sítio que lhe tinha sido indicado, mas parece ser que aludisse a quanto contou pela primeira vez a seus filhos do Oratório no ano de 1858, entre os quais se achavam pressentem Cagliero, Rúa, Francesia e outros.

Pareceu-lhe ver o vale que se estendia ao pé da granja do Susambrino convertido em uma grande cidade, por cujas ruas e lugares discorriam grupos de moços alvoroçando, jogando e blasfemando.

Como sentia um grande horror à blasfêmia e estava dotado de um caráter um pouco vivo e impetuoso, aproximou-se daqueles moços lhes jogando em sua cara proceder e ameaçando passando aos fatos se não cessavam de proferir blasfêmias. E como em efeito, aqueles jovenzinhos prosseguissem em seus insultos contra Deus e contra a Muito santa Virgem, João começou a golpeá-los. Mais eles reagiram e jogando-se sobre ele o afligiram a pescoções e murros. João então se deu à fuga; mas ao ponto lhe saiu ao encontro um Personagem, que lhe intimou a que se detivesse, lhe ordenando que voltasse entre aqueles rapazes e lhes persuadisse de que fossem bons e evitassem o mal. Fez depois referência aos golpes que tinha recebido, objetando que se voltava entre aqueles moços talvez lhe acontecesse algo pior. Então o Personagem apresentou a uma nobilíssima Senhora, que naqueles momentos se aproximava para eles, e lhe disse:

—Esta é minha Mãe; aconselhe-se com Ela.

A Senhora, fixando nele um olhar cheia de bondade, falou-lhe assim:

—Se quer ganhar nesses jovens, não deve lhes fazer frente com os golpes, mas sim os tendes que tratar com doçura e tendes que usar da persuasão.

E então, como no primeiro sonho viu os jovens transformados em feras e depois em ovelhas e cordeiros, à frente dos quais se pôs como pastor por encargo daquela Senhora.

Este sonho teve lugar nas férias do 1838, quando João acabava de terminar o primeiro curso de Teologia; contava, pois, então Dom Bosco, vinte e um anos, por isso a este sonho se lhe conhece com o nome de "O sonho dos vinte e um anos", não sendo outra coisa que a confirmação de que tinha tido aos nove anos. lhe manifestando assim a Providência de uma maneira superabundante a finalidade e o caráter de sua futura missão.

Dom Lemoyne, depois de fazer o relato do sonho, acrescenta estas palavras: "Provavelmente foi nesta ocasião quando Dom Bosco viu o Oratório com todas suas dependências, preparadas para acolher a seus moços".

Em efeito: Dom Bosio, natural do Castagnole, pároco do Levone Canavés, companheiro de Dom Bosco no Seminário do Chieri, tendo visitado pela primeira vez o Oratório em 1890, ao chegar ao pátio central do Oratório e estando rodeado dos membros do Capítulo Superior da Pia Sociedade de São Francisco de Sai, girando a vista a seu redor e observando o conjunto dos edifícios, exclamou:

"De tudo isto que agora estou vendo, nada me resulta novo. Dom Bosco, quando estávamos no Seminário me descreveu isso tudo, como se estivesse vendo com seus próprios olhos quanto descrevia e como eu o estou vendo agora, comprovando ao mesmo tempo a exatidão de suas palavras". E ao dizer isto se sentiu presa de uma profunda emoção ao recordar ao companheiro e ao amigo.

Também o teólogo Cinzano assegurava a Dom Joaquín Berto e a outros sacerdotes, que o jovem Bosco lhe tinha assegurado, plenamente convencido disso, que no futuro teria ao seu dispor numerosos sacerdotes, clérigos, jovens estudantes e artesãos e uma formosa banda de música.

Hei aqui as palavras com que fecha Dom Lemoyne o Capítulo XLVII do primeiro volume das Memórias Biográficas:

"Ao chegar aqui não podemos ao menos jogar um olhar retrospectivo ao progressivo e racional acontecer-se dos vários e surpreendentes sonhos. Aos nove anos lhe dá a conhecer a grandiosa missão que lhe será confiada; aos dezesseis lhe prometem os meios materiais, indispensáveis para albergar e alimentar a inumeráveis jovenzinhos; aos dezenove, uma ordem imperiosa lhe faz saber que não é livre de aceitar ou rechaçar a missão que se o encomenda; aos vinte e um se lhe manifesta claramente a classe de jovens de cujo bem espiritual deverá cuidar-se; aos vinte e dois lhe assinala uma grande cidade, Turim, na qual deverá iniciar suas apostólicas tarefas e suas funções. Não finalizando aqui estas misteriosas indicações, mas sim continuarão de uma maneira intermitente até que a obra de Deus fique estabelecida".

(M. B. Tomo I. págs. 423-425)

Sacerdote e alfaiate — 1836

Enquanto se entregava ao exercício das mais sólidas virtudes e aos estudos da filosofia, João sentia crescer sempre mais e mais em seu coração o desejo de dedicar-se a quão jovens iam a seu redor para aprender o Catecismo e exercitar-se na oração; aproveitando para isso as ocasiões em que os superiores o enviavam à Catedral para intervir nas funções religiosas.
A divina bondade, que tinha os olhos postos nele com amorosos intuitos, começou a lhe manifestar em forma mais detalhada o gênero de apostolado que tinha que exercer em meio da juventude.
Assim ou fez saber ele mesmo no Oratório, em forma reservada, a alguns dos seus, entre os que se encontravam Dom João Turchi e Dom Domingo Ruffino.
—Quem ia imaginar —dizia— a maneira como me vi quando estudava o primeiro curso de filosofia?
E um dos pressente lhe perguntou:
—Onde, em sonho ou na realidade?
—Isso não vem ao caso —replicou Dom Bosco.
O certo é que me vi já sacerdote, com roquete e estola e que assim revestido trabalhava em uma oficina de alfaiataria; mas, não fazendo trajes novos, a não ser cerzindo algumas roupas muito deterioradas e unindo entre si uma grande quantidade de pequenas peças de pano. Naquele momento não pude compreender o significado de todo aquilo que tinha visto, até que sendo já sacerdote o contei a meu conselheiro Dom Cafasso.

Este sonho —escreve Dom Lemoyne— ficou indelével na mente de Dom Bosco. Com ele lhe quis significar que sua missão não se limitaria simplesmente a selecionar jovens virtuosos lhes ajudando a conservar-se na virtude, mas sim também teria que reunir a seu redor a outros jovens desencaminhados e ameaçados pelos perigos do mundo, os quais, mercê a seus cuidados se permutariam em bons cristãos, cooperando eles, depois, na reforma da sociedade.

(M. B. Tomo I, págs. 381-382)

O futuro do Oratório – 1845

O presente sonho também é conhecido com o título de "O sonho da cinta mágica". Eis aqui o texto do mesmo tal como esta narrado nas Memórias Biográficas:
Pareceu que me encontrava em uma grande planície ocupada por uma imensa multidão de jovens. Uns brigavam entre si, outros blasfemavam.
Aqui se roubava, lá se ofendiam os bons costumes. Uma nuvem de pedras sulcava os ares, lançadas pelos que faziam guerrilhas, uns contra os outros. Eram, pois, jovens corrompidos, abandonados por seus pais. Eu estava para me afastar daquele lugar quando vi junto a mim a uma Senhora que me disse:
—Ponte em meio desses jovens e trabalha.
Eu obedeci, mas o que fazer? Não havia local algum para acolhê-los; desejava fazer-lhes um pouco de bem e dirigi-me a algumas pessoas que me contemplavam de longe e que me teriam podido ajudar muito eficazmente; mas ninguém me fazia caso, nem me queria socorrer. Então dirigi-me a aquela Matrona, a qual me disse:
—Aqui está o local, e me assinalou um prado.
—Mas, isto não é mais que um prado, observei eu.
Ela me respondeu:
—Meu Filho e os Apóstolos não tiveram um palmo de terreno onde reclinar a cabeça.
Comecei, pois, a trabalhar naquele prado, admoestando, pregando, confessando, mas comprovei que com a maior parte daqueles jovens meus esforços eram inúteis se não encontrava um lugar fechado e alguns edifícios para albergá-los; sobre tudo para os que tinham sido abandonados por seus pais e repudiados e desprezados pela sociedade. Então aquela Senhora me conduziu um pouco mais para o norte e me disse:
—Olhe!
E ao dirigir minha vista para o lugar indicado, vi uma igreja pequena e baixa, um pequeno pátio e muitos jovens. Recomecei meu trabalho. Mas como a igreja era insuficiente, recorri de novo à Senhora e Ela me fez ver um templo maior e junto a ele uma casa. Depois, me levando para outro lado, a uma parte de terreno cultivado, quase frente à fachada da segunda igreja, acrescentou:
—Neste lugar, onde os Santos Mártires do Turim, Aventor e Octavio sofreram o martírio, sobre esta terra banhada e santificada com seu sangue, desejo que Deus seja honrado de um modo especialíssimo.
E ao dizer isto, adiantou um pé assinalando o lugar onde ditos Santos foram martirizados, indicando-me isso com toda precisão. Eu quis colocar algum sinal para recordá-lo quando voltasse para aquele lugar, mas não encontrei nada a meu redor; nem um pau, nenhuma pedra; contudo, ficou fixado na minha memória com toda precisão. Corresponde dito lugar exatamente ao ângulo interno da capela dos Santos Mártires, antes de Santa Ana, situada ao lado do Evangelho na igreja da Maria Auxiliadora.
Enquanto isso me vi rodeado de um número cada vez mais crescente de jovens; mas dirigindo o olhar a aquela Senhora, aumentavam também os meios e o local. Vi depois uma igreja maior, precisamente no lugar em que me havia dito que haviam sofrido o martírio os Santos da Legião Tebana e ao redor dela numerosos edifícios e um monumento no centro.
Enquanto aconteciam estas coisas, eu sempre em sonhos, vi que me ajudavam em meu trabalho alguns sacerdotes e clérigos, que depois de estar comigo algum tempo, abandonavam-me. Eu procurava com grande empenho atraí-los, mas eles pouco a pouco partiam me deixando sozinho.
Então me dirigi à Senhora novamente, a qual me disse:
—Queres saber o que tendes de fazer para que não te abandonem? Toma esta cinta e ate-lhes com ela a fronte.
Tomei com toda reverência uma cinta branca da mão da Senhora e vi que nela estava escrita esta palavra: OBEDIÊNCIA.
Provei de fazer imediatamente o que Ela me tinha indicado e comecei a atar a cabeça de meus auxiliares voluntários com a cinta, comprovando que se produzia seguidamente um efeito maravilhoso; efeito que ia em aumento enquanto eu continuava entregue à missão que me tinha sido assinalada, pois aqueles sacerdotes e clérigos desprezavam o pensamento de partir a outra parte, ficando comigo e me ajudando em meu trabalho. Assim ficou constituída a Congregação.
Vi também outras muitas coisas que não é do caso relatar nestes momentos; baste dizer que após prosseguir a rota empreendida com segurança, seja a respeito do Oratório, seja em relação à Congregação; bem como sobre a maneira de me conduzir em minhas relações com as pessoas externas revestidas de alguma autoridade. As grandes dificuldades que sobrevirão estão todas previstas e conheço quais meios tenho que empregar para as superar. Vi detalhadamente quanto nos acontecerá e prossigo adiante a plena luz. Depois de ter contemplado Igrejas, casas, pátios, jovens em grande número, clérigos e sacerdotes que me ajudavam e a maneira de levá-lo tudo adiante, comecei a dar a conhecer alguns, certas coisas como se já existissem, por isso muitos chegaram a acreditar que eu tinha perdido a cabeça.
Um dos detalhes que mais chama a atenção neste sonho é o relacionado com o lugar indicado pela Muito Santa Virgem como cenário do martírio dos Santos Adventor e Octavio. Nossa Senhora não menciona ao Solutor, porque parece ser que este santo mártir ao ser ferido por uma lança conseguiu escapar, indo depois a morrer a Ivrea.
Sobre esta circunstância da designação do sítio preciso em que sofreram o martírio Adventor e Octavio, São João Bosco deixou consignado o seguinte: "Jamais quis contar este sonho a ninguém e muito menos dar a conhecer minha fundada opinião sobre o lugar exato do glorioso martírio do Adventor e Octavio".
"Mais tarde, em 1865, sugeri ao Cônego Gastaldi a idéia de que escrevesse as vistas dos três Santos mártires da Legião Tebana e fizesse indagações para encontrar o lugar preciso de seu martírio, servindo-se dos dados subministrados pela história, a tradição e a topografia". O douto eclesiástico aceitou a idéia; redigiu e deu à imprensa umas memórias sobre o martírio dos intrépidos confessores da fé, tirando como conclusão de seu documentado estudo que se ignorava o lugar preciso do mesmo, mas que se sabia com toda certeza que se refugiaram fora da cidade, perto do rio Doura e que foram descobertos e sacrificados por seus perseguidores nas proximidades do lugar em que se esconderam.
O grande trecho existente entre os muros da cidade e o rio Doura, para o ocidente do bairro deste nome, foi conhecido na antigüidade com a denominação latina do Vallis ou Vallum occisorum, que se transformou com o tempo em Valdocco, aludindo possivelmente aos mártires ali sacrificados.
Segundo o Cônego Gastaldi, tendo à vista a topografia da cidade do Turim, o Oratório de São Francisco de Sales se levanta precisamente no lugar bendito regado com o sangue dos confessores de Cristo.
São João Bosco alegrou-se muito desta opinião que devia confirmar quanto tinha visto no sonho; professando após uma grande devoção aos Santos mártires. Todos os anos, na festividade de São Mauricio, incorporando o nome e a glória do chefe ao dos outros da Legião Tebana e de uma maneira especial a seus três esclarecidos soldados, Adventor, Solutor e Octavio, quis que se celebrasse dita festividade com solenes atos religiosos.
(M. B. Tomo II, págs. 298-300)

Os mártires de Turim — 1845

Um novo sonho tinha que ilustrar a mente de São João Bosco sobre o fim glorioso dos esclarecidos mártires de Turim, Adventor, Octavio e Solutor, cujo martírio tinha tido como cenário, conforme o indicasse a Senhora de seus pensamentos, o mesmo lugar em que suas obras começavam a crescer prodigiosamente.

Eis aqui o que nos diz Lemoyne, que recolheu o relato de lábios do Santo:
Pareceu-lhe encontrar-se no extremo setentrional do Rondou ou Círculo Valdocco e dirigindo o olhar para o Doura, entre as esbeltas árvores que naquele tempo o adornavam, perfeitamente alinhados, a avenida hoje denominada Regina Margherita, viu para a parte baixa, a uma distância de uns setenta metros da contigua rua Cottolengo, em um campo semeado de batatas, milho, feijões e repolhos, a três jovens muito belos e resplandecentes de luz. Estavam no mesmo espaço que lhe tinha sido indicado no sonho precedente, como teatro de seu glorioso martírio. Os três lhe convidaram a baixar e a unir-se a eles. São João Bosco apressou-se a fazê-lo, e quando, esteve em sua companhia lhe conduziram amavelmente até o local no qual se eleva a majestosa igreja da María Auxiliadora.

O Santo, depois de percorrer um breve espaço, indo de maravilha em maravilha, encontrou-se em presença de uma Matriarca magnificamente embelezada e de uma inexprimível formosura, de extraordinário esplendor e majestade, junto à qual se via um venerável senado de anciões com aspecto de príncipes. A Ela como Rainha em torno da qual formavam cortejo inumeráveis personagens de uma beleza e de uma graça deslumbrantes. A Matriarca, que tinha aparecido no lugar que hoje ocupa o altar mor da igreja grande, convidou a São João Bosco a que se aproximasse. Quando o teve junto de si, manifestou-lhe que aqueles três jovens que lhe tinham conduzido a sua presença, eram os Mártires Solutor, Adventor e Octavio, e com isto parecia lhe querer indicar que eles seriam os patronos especiais daquele local.

Depois, com um encantador sorriso e com afetuosas palavras o animou a que não abandonasse os seus jovens e que prosseguisse cada vez com maior entusiasmo a obra empreendida; anunciou-lhe que encontraria obstáculos ao parecer insuperáveis, mas que todos seriam vencidos e aplainados se pusesse sua confiança na Mãe de Deus e em seu Divino Filho.

Finalmente mostrou a pouca distância uma casa, que realmente existia e que depois soube ser propriedade de um tal senhor Pinardi, e uma pequena igreja no sítio preciso no qual se encontra agora a de São Francisco de Sales com os edifícios contíguos. Levantando a mão direita, a Senhora exclamou com voz inefavelmente harmoniosa: «HAEC EST DOMUS MEA: INDE GLORIFICA MEA».

Ao ouvir estas palavras, São João Bosco sentiu-se tão emocionado que se estremeceu, então a figura da Virgem, como era aquela Senhora e toda aquela visão desapareceram como a névoa em presença do sol. Ele, enquanto isso, crédulo na bondade e na misericórdia divinas, renovou aos pés da muito santa Virgem a consagração de si mesmo à obra a qual tinha sido chamado.
Na manhã seguinte, muito contente pelo sonho que tinha tido na noite anterior, Dom Bosco se apressou a visitar a casa que a Virgem lhe tinha indicado.

Ao sair de sua habitação disse ao teólogo Borel:
—vou ver uma casa apropriada para nosso Oratório.
Mas, qual não seria sua surpresa quando, ao chegar no local indicado, em vez de encontrar uma casa com uma igreja, achou uma moradia de gente de má vida.
Ao retornar ao Refúgio e tendo sido interrogado pelo mesmo teólogo, sem mais explicação, disse-lhe que a casa sobre a qual tinha baseado seus projetos, não lhe servia para o fim proposto.
Em outro sonho recebeu da Virgem a explicação, e o sítio serveu-lhe.
(M. B. Tomo II, págs. 342-343)

Sorte de dois jovens que abandonaram o Oratório — 1846

Ante os perigos e perdas das almas e frente à ofensa de Deus, São João Bosco nunca pôde permanecer indiferente.
Naqueles dias São João Bosco teve um sonho que lhe causou uma dor profunda. Viu dois jovens, aos quais conhecia, saindo do Turim para dirigir-se ao Becchi; mas quando chegaram à ponte do Rio Po saltou por cima deles uma besta de aspecto feroz. Esta, depois de havê-los enlambuzado com sua baba, jogou-os no chão e os revolvia na lama da qual ficaram cobertos de tal maneira que dava nojo vê-los.
São João Bosco narrou este sonho a alguns dos que estavam com ele, dizendo os nomes dos dois jovens que tinha visto nesse sonho; e os fatos demonstraram que não se tratava de mera fantasia, pois aqueles dois infelizes, depois de abandonar o Oratório se deram a toda classe de desordens.

Testemunha do relato deste sonho foi o fiel Buzzetti, uma das primeiras figuras do Oratório. Nascido em Caronno Ghiringhelio, província da Lombardia, em 7 de fevereiro de 1832, viveu com São João Bosco até a idade de cinqüenta e nove anos, em que morreu no Oratório um 13 de julho.

Foi um dos quatro escolhidos pelo Santo para fundar a Congregação Salesiana, tornando-se seminarista no dia da Purificação de Nossa Senhora de 1851, data em que no Oratório se celebrava também a festa de São Francisco de Sales.

Em março do ano seguinte, como conseqüência de um acidente pirotécnico, perdeu o dedo indicador da mão esquerda, acidente que lhe obrigou a deixar a batina. Continuou vivendo com São João Bosco e durante muitos anos, devido a sua grande delicadeza de consciência, não se atreveu a professar, até que em 1878, deu definitivamente seu nome à Congregação.
(M. B. Tomo II, pág. 511)

Conversas com Luis Comollo e o Cálice — 1847

Luis Comollo foi companheiro de São João Bosco no Seminário do Chieri; jovem de virtudes, logo fez grande amizade com o Santo.
Luis era o monitor do João e vice-versa. Amizade pura, desinteressada, nobre, de verdadeira emulação. De saúde precária, Comollo chegou a adoecer e morreu santamente em 2 de abril de 1839. Isto afligiu profundamente o coração sensibilíssimo do João, causando-lhe ao mesmo tempo graves transtornos na saúde.
Os dois amigos e êmulos na virtude discorreram sobre coisas espirituais, e chegaram a prometer-se reciprocamente, meio brincadeira e meio em sério, o comunicar-se depois da morte, a sorte corrida ao passar as soleiras da eternidade; promessa que conheciam muitos outros de seus companheiros.
Precisamente na noite do 3 ao 4 de abril, portanto na noite seguinte ao enterro de Luis Comollo, na madrugada, e quando todos dormiam, ouviu um estrondo formidável no dormitório de João, enquanto uma luz muito viva avançava a sua cama e uma voz lhe dizia clara e distintamente:
—Bosco, Bosco, salvei-me! Cessou seguidamente o ruído e pouco a pouco desapareceu a luz.
João, incorporado no leito e sobressaltado ante aquela visão, distinguiu perfeitamente a voz de seu amigo, quem tinha vindo a cumprir a palavra empenhada.
Os seminaristas que ocupavam as camas imediatas, também o ouviram. Alguns, aterrados, saltaram do leito e agrupados em torno do vigilante passaram acordados o resto da noite, não faltando quem fosse a refugiar-se na Capela. O fato produziu um revôo, mas tudo serviu para pôr de relevo a robusta personalidade do seminarista de Becchi.
Este levou, entretanto, a pior parte, pois o acontecimento lhe custou uma enfermidade longa e penosa. Depois, ilustrado por esta experiência, acostumava a aconselhar que não se fizessem tais pactos; pois não é fácil à fraqueza humana suportar ás relações com o sobrenatural.
Ao produzir-se, pois, o sonho que vamos expor a seguir e no qual aparece novamente Luis Comollo, tinham passado já mais de seis anos da morte de este.
Eis aqui o que narra Dom Lemoyne:
"A habitação ocupada por São João Bosco foi sempre considerada pelos jovens como o santuário das mais belas virtudes; como um tabernáculo no qual a Muito Santa Virgem sentia prazer em lhe manifestar a vontade divina; como um vestíbulo que punha ao Oratório em comunicação com ás regiões celestes. E quantos entravam nela, não podiam deixar de experimentar um sentimento de profunda reverência.
Mamãe Margarida não pensava diversamente. Ela mesma tinha transladado seu próprio leito à habitação mais próxima a de seu filho. Estava persuadida, pois assim o tinham demonstrado alguns fatos, de que seu filho passava em oração grande parte da noite e de que naqueles dias acontecia algo surpreendente que ela não sabia explicar.
Em efeito: Margarida contava ao jovem Santiago Bellia que em certa ocasião, algumas horas antes do amanhecer, tinha ouvido conversações com [São] João Bosco em sua habitação. Umas vezes lhe parecia que respondesse às perguntas que lhe faziam e outras, que respondia a seu interlocutor. Apesar da atenção da boa mulher, não pôde entender nenhuma só palavra daquele estranho diálogo. Pela manhã, embora tivesse a segurança de que ninguém poderia entrar na habitação de [São] João Bosco sem que ela o notasse, perguntou a seu filho com quem tinha estado falando. Este lhe respondeu:
—falei com o Luis Comollo.
—Mas Comollo faz anos que morreu, — replicou Margarida.
—E, contudo, é assim, falei com ele.
São João Bosco não acrescentou explicação alguma, dando amostras de que uma grande idéia lhe preocupava. Aceso o rosto como uma brasa e com os olhos extraordinariamente brilhantes, foi presa de uma emoção que lhe durou vários dias.
O jovem Santiago Bellia, que figura neste relato, foi um dos afortunados escolhidos por São João Bosco em 1849 para formar a Congregação Salesiana. Vestiu o hábito clerical de mãos do fundador em 2 de fevereiro de 1851.
"Pouco tempo depois —continua Dom Lemoyne— [São] João Bosco necessitava um cálice e não sabia como adquiri-lo, pois não dispunha da quantidade necessária para comprá-lo. Quando eis que uma noite foi-lhe indicado em um sonho que em seu baú havia uma quantidade suficiente para tal objeto. À manhã seguinte foi ao Turim para vários assuntos e enquanto caminhava com a mente fixa no sonho da noite precedente, pensava ao mesmo tempo na satisfação que sentiria se aquele sonho se fizesse realidade; de forma que se decidiu voltar para casa e registrar o baú. Ao fazê-lo, encontrou-se nele oito escudos. Precisamente a quantidade que necessitava para a compra do cálice. Nenhum estranho podia ter posto aquela soma ali, porque a casa estava sempre fechada. Sua mãe não dispunha de dinheiro para lhe proporcionar semelhantes surpresas, ficando também ela gratamente surpreendida quando soube do acontecido".
(M. B. Tomo III, págs. 30-31)

As videiras — 1847

Em 1864, uma noite, depois das orações, Dom Bosco reunia em sua habitação para lhes dar uma conferência, conforme era seu costume, aos jovens que integravam a Congregação, entre os quais se achavam Dom Victorio Alasonatti, [Beato] Miguel Rúa, Dom João Cagliero, Dom Celestino Durando, Dom José Lazzero e Dom Julho Barberis. Depois de lhes haver falado do desapego das coisas do mundo e da família, para seguir o exemplo do Jesucristo, contou-lhes um sonho que tinha tido dezessete anos atrás. Hei aqui suas palavras:
"Contei-lhes já muitas coisas em forma de sonho das que podíamos deduzir o muito que a Santíssima Virgem nos ama e nos ajuda; mas, já que estamos reunidos aqui nós sozinhos, para que cada um dos presentes tenha a segurança de que é a Santíssima Virgem a que quer nossa Congregação e a fim de que nos animemos cada vez mais a trabalhar para a maior gloria de Deus, contarei não um sonho, mas o que a mesma Mãe de Deus me fez ver. Ela quer que ponhamos em sua bondade toda nossa confiança. Eu lhes falo como um pai a seus queridos filhos, mas desejo que guardem absoluta reserva sobre quanto lhes vou dizer e que nada comuniquem disto aos jovens do Oratório ou às pessoas de fora, para não dar motivos a más interpretações por parte dos mal-intencionados.
Um dia do ano 1847, depois de ter meditado eu muito sobre a maneira de fazer o bem, especialmente em proveito da juventude, me apareceu a Rainha dos Céus e conduziu-me a um belo jardim. Nele havia um rústico, mas ao mesmo tempo muito belo e amplo pórtico construído em forma de vestíbulo. Plantas trepadeiras adornavam e cobriam as pilastras, e seus grandes ramos, exuberantes de folhas e de flores, sobrepondo-as umas às outras, entrelaçavam-se ao mesmo tempo, formando um gracioso toldo. Este pórtico dava a uma bela passagem, e no meio dela se estendiam umas belas videiras, tendo aos lados maravilhosas roseiras em plena floração. Também o chão estava coberto de rosas. A Santíssima Virgem me disse:
—Caminha embaixo da videira; esse é o caminho que deves percorrer.
Descalcei-me para não estragar aquelas flores.
Senti-me satisfeito de me haver descalçado, pois houvesse sentido ter que pisar em rosas tão formosas. E sem mais, comecei a caminhar; mas logo me dava conta de que aquelas rosas ocultavam grandes espinhos; de forma que meus pés começaram a sangrar. Portanto, depois de ter dado alguns passos, vi-me obrigado a me deter e seguidamente a voltar atrás.
—Aqui é necessário levar o calçado posto, — disse a minha Guia.
—Certo! —respondeu-me— Necessitas um bom calçado.
Calcei, pois, e voltei a empreender o caminho com alguns companheiros, os quais tinham aparecido naquele momento, pedindo para acompanhar-me. Eles seguiram atrás de mim sob a videira, que era de uma formosura inexprimível; mas, conforme avançava, parecia-me mais estreita e mais baixa. Muitos ramos descendiam do alto e subiam como vergões; outras avançavam eretas para o atalho. Dos troncos das roseiras saíam alguns ramos para cá e acolá horizontalmente; outras formavam uns densos tufos, invadindo grande parte do caminho; outras cresciam em distintas direções a pouca altura do chão. Todas, entretanto, estavam coalhadas de rosas; eu não via mais que rosas aos lados, rosas em cima de mim, rosas diante de meus passos.
Enquanto isso sentia agudos dores nos pés e fazia algumas contorções com o corpo ao tocar as rosas de uma e outra parte, comprovando que entre elas se escondiam espinhos ainda maiores. Contudo, prossegui adiante. Minhas pernas se enredavam nos ramos tendidos pelo chão produzindo dolorosas feridas; ao tentar apartar um ramo atravessado no caminho ou ao me agachar para passar por debaixo de alguma outra, sentia as pontadas dos espinhos, não só nas mãos, mas também em todos os meus membros. As rosas que via por cima de mim, também ocultavam uma grande quantidade de espinhos que se cravavam na cabeça. Apesar disso, animado pela Santíssima Virgem prossegui meu caminho. De vez em quando experimentava ferroadas ainda mais intensas e penetrantes que me produziam uma dor muito aguda.
Enquanto isso, todos aqueles, e eram muitíssimos, que me viam caminhar embaixo daquela videira, que diziam:
Oh! Vejam como [São] João Bosco caminha sempre entre rosas; ele segue adiante sem dificuldades; tudo lhe sai bem.
Mas os tais não viam os espinhos que rasgavam meus membros. Muitos clérigos, sacerdotes e seculares, por mim convidados, começaram a me seguir com urgência, atraídos pela beleza daquelas flores; mas quando se deram conta de que era necessário caminhar sobre grandes espinhos e que estes brotavam por toda parte, começaram a dizer gritando:
Enganaram-nos!
—Quem queira caminhar sem dificuldade alguma sobre as rosas — lhes dizia eu— volte atrás; os outros que me sigam.
Não poucos voltaram atrás. Depois de ter percorrido um bom trecho do caminho, voltei-me para observar meus companheiros. Mas qual não seria minha dor, ao ver que uma grande parte deles tinha desaparecido e outra parte, me voltando as costas, afastava-se de mi. Imediatamente voltei atrás para chamá-los, mas tudo foi inútil, pois nem sequer me escutavam. Então comecei a chorar desconsoladamente e a me recriminar dizendo:
—É possível que tenha que percorrer eu sozinho este caminho tão difícil?
Mas logo me senti consolado. Vi avançar para mim um numeroso grupo de sacerdotes, de clérigos e de pessoas seculares, os quais me disseram:
—Aqui nos tem; somos todos teus e estamos dispostos a te seguir.
Pondo-me então à frente deles reiniciei o caminho. Somente alguns se desanimaram, detendo-se, mas a maioria chegou comigo à meta.
Depois de ter percorrido a videira em toda sua longitude, encontrei-me em um novo e muito ameno jardim, rodeado de todos meus seguidores. Todos estavam macilentos, desgrenhados, cheios de sangue. Então se levantou uma suave brisa e em instantes todos sanaram. Soprou novamente outro vento e, como por encanto, encontrei-me rodeado de um imenso número de jovens e de clérigos, de ajudantes e de sacerdotes, que começaram a trabalhar comigo guiando a aquela juventude. A alguns não os conhecia, outras fisionomias, entretanto, eram-me familiares.
Enquanto isso, tendo chegado a uma paragem elevada do jardim, encontrei-me com um edifício colossal, surpreendente por sua magnificência artística, e ao cruzar a soleira penetrei em uma espaçosa sala tão rica, que nenhum palácio do mundo poderia conter outra igual. Estava completamente adornada com rosas muito fragrantes e sem espinhos, das quais emanava um aroma muito suave. Então, a Santíssima Virgem, que tinha sido minha Guia, perguntou-me:
—Sabes o que significa o que estás vendo agora e o que observastes antes?
—Não — respondi —, Vos rogo que me expliqueis isso.
Então Ela disse:
— O caminho por ti percorrido entre rosas e espinhos significa o cuidado com que tendes que atender à juventude; deves caminhar com o calçado da mortificação. Os espinhos que estavam à flor da terra representam os afetos sensíveis, as simpatias ou antipatias humanas que apartam ao educador de seu verdadeiro fim, que o ferem ou o detêm em sua missão, que lhe impedem de avançar e colher coroas para a vida eterna. As rosas são símbolo da caridade ardente que deve ser teu distintivo e o de todos teus seguidores. Os outros espinhos são os obstáculos, os sofrimentos, os desgostos que terão que suportar. Mas, não te desanimes. Com a caridade e com a mortificação superastes todas as dificuldades e chegastes às rosas sem espinhos.
Apenas a Mãe de Deus terminou de falar, voltei em mim e me encontrei em minha habitação".
Notável circunstância e muito digna de assinalar, de que São João Bosco não fala aqui de um simples sonho, mas sim de uma verdadeira e autêntica visão. Ao começar ao expressar-se, o servo de Deus diz categoricamente: "A fim de que nos animemos a trabalhar cada vez mais para a maior gloria de Deus, contarei não um sonho, mas o que a mesma Mãe de Deus me fez ver".

Terminando seu relato com as seguintes palavras:

"Apenas a Mãe de Deus teve terminado de falar, voltei em mim e me encontrei em minha habitação".

Tanto uma como outra expressão põem de manifesto que aqui se trata de uma verdadeira visão.
(M. B. Tomo III, págs. 32-37)

Encontro com o Rei Carlos Alberto — 1847

A gratidão e o afeto que São João Bosco sentia para o Rei Carlos Alberto foi posto de manifesto repetidas vezes pelo Santo, como o testemunham as Memórias Biográficas.

Depois de fazer referência à liberação de Roma pelas tropas francesas e à entrega das chaves da Cidade Eterna ao Papa Pio IX pelo general Oudinot, Dom Lemoyne continua:
"Mas se (São) João Bosco recebeu um grande consolo ao conhecer esta notícia, chegou ao Turim outra que causou uma profunda dor a ele e a seus filhos. Gravemente doente de uma antiga doença, no Porto e afligido sob o peso da desventura, Carlos Alberto, confortado com os auxílios de nossa Santa Religião, morreu como um bom cristão em 28 de julho de 1847. (São) João Bosco fez rezar, como era seu dever, por um soberano ao qual estimava e amava sobremaneira e que em repetidas ocasiões tinha ajudado e protegido a sua instituição.

Sua dor vinha junto a uma grande esperança, pois o monarca tinha sido muito devoto de (Nossa Senhora) Consolata e sua caridade para com os pobres tinha sido excepcional. Sobre seu féretro não pairavam as asas das angustiosas duvidas que às vezes há no coração sobre o destino eterno de uma alma, ao contrario como uma amável lembrança que ocupava a mente de (São) João Bosco, de quando em quando, a figura do Carlos Alberto, reverdecia na fantasia de nosso fundador, e assim, alguns anos depois contava a dois de seus filhos este gracioso pesadelo que lhe tinha durado toda a noite:
Pareceu que me encontrava nos arredores do Turim, passeando pelo centro de uma grande avenida. Quando eis que vem a meu encontro o Rei Carlos Alberto, o qual, sorridente, deteve-se a saudar-me.

— Oh, Majestade! — exclamei.
— Como está você, João Bosco?
— Muito bem, e me alegro muito de lhe ver.
— Se for assim, quer-me acompanhar a dar um passeio?
— Com muito gosto.
— Pois, vamos!

Pusemo-nos a caminho da cidade. O Rei não levava posta nenhuma insígnia que declarasse sua dignidade; vestia roupas brancas, embora não de tudo brancas.

— O que pensa de mim? — perguntou-me o monarca.
— Sei que é um bom católico — repliquei-lhe.
— Para Você, sou algo mais que isso; sabe como amei sempre sua obra. Sempre tive o maior desejo de vê-la prosperar. Ter-me-ia gostado muitíssimo ajudá-lo, mas os acontecimentos me impediram de fazê-lo.
— Se for assim, majestade, atrever-me-ia a lhe fazer um pedido.
— Fale, fale.
— Pedir-lhe-ia que presidisse a festa de São Luis Rei que vamos celebrar no Oratório este ano.
— Com muito prazer: mas tenha presente que a coisa daria muito que falar; seria algo inaudito, por isso parece que não é conveniente uma festa tão soada. Contudo, verei a maneira de agradá-lo, até sem minha presença.

Continuamos falando de outras coisas até que chegamos perto do Santuário da Consolata. Em dito lugar havia como uma entrada subterrânea na encosta de uma elevada colina e a galeria a que dava acesso, em vez de descender, subia.

— Terei de passar por aqui — disse-me o Rei.

E dobrando os joelhos e tocando quase o chão com sua majestosa frente, sem trocar de postura, começou a subir e desapareceu.

Então, enquanto eu examinava aquela entrada e procurava penetrar com a vista a escuridão das trevas, despertei".
Comparando a data deste sonho comprovamos que pouco depois, no Oratório se recebeu um generoso donativo da Casa Real.

O coração de Dom Bosco pulsava ao uníssono com o do Rei Carlos Alberto, o Papa Pio IX e São José Benito Cottolengo e a seus jovens esteve reservado a honra de cantar muitas vezes na Catedral a Missa do Réquiem no aniversário da morte do monarca.
(M. B. Tomo III, págs. 539-540)

O porvir do Cardeal Cagliero — 1854

A Santíssima Virgem deu uma nova prova de seu especial amparo e de seu maternal agrado pelo que os alunos do Oratório tinham feito em favor dos emprestados do Turim, outorgando a cura ao jovem João Cagliero, mais tarde Cardeal da Santa Mãe Igreja.

"Enquanto não existia já esperança alguma nos meios humanos —escreve o [Beato] Miguel Rúa— Dom Bosco recomendou ao doente que recorresse à Virgem, anunciando-lhe ao mesmo tempo que sanaria, e eu fiquei assombrado ao comprovar a realização daquela profecia".

Vamos expor o fato com todos seus pormenores:
Um dia, por volta de fins do mês de agosto, João Cagliero, cansado pelo trabalho realizado na assistência dos doentes, ao voltar do lazarento a casa se sentiu mal e teve que deitar-se. [São] João Bosco, que o amava como um pai, fez que lhe prodigalizassem todos os cuidados possíveis para salva-lo das terríveis febres gástricas que padeceu durante dois meses quase; mas tudo foi inútil. Dada a gravidade do mal, poucos dias depois de ter começado a guardar cama, Cagliero se confessou e recebeu a Sagrada Comunhão. Mas as febres foram em aumento de tal maneira, que no término de um mês reduziram o doente aos extremos. São João Bosco tinha anunciado em público que nenhum de seus filhos morreria da epidemia que vingava na cidade, contanto que todos se mantivessem na graça de Deus. Cagliero, que então contava dezesseis anos, confiava plenamente nas palavras de São João Bosco; mas o pior em seu caso era que sua enfermidade não provinha do morbo asiático. No Oratório todos estavam convencidos de que o paciente passaria de um dia a outro à eternidade; o jovem doente, enquanto isso, estava tranqüilo.
Dois célebres médicos do Turim, Galvano e Bellingeri, depois de uma consulta, declararam que se tratava de um caso desesperado e aconselharam a São João Bosco que administrasse ao paciente os últimos sacramentos, pois provavelmente não chegaria ao dia seguinte. Então o clérigo Buzzetti advertiu ao Cagliero do perigo em que se encontrava e lhe anunciou que [São] João Bosco viria para confessá-lo, lhe dar o Viático e lhe administrar a Extrema unção.
O Santo não demorou em entrar na habitação do doente com a intenção de lhe preparar ao grande passo; quando, havendo-se detido na soleira da porta, viu ante seus olhos um maravilhoso espetáculo:
Viu aparecer uma muito formosa pomba, à qual, como um objeto luminoso, pulverizava a seus redor brilhos de luz muito viva, de forma que toda a habitação estava intensamente iluminada. Levava no bico uma raminha de oliveira e voava uma e outra vez ao redor da habitação. Quando detendo o vôo sobre o leito do doente, tocou os lábios do paciente com o raminho de oliveira e depois o deixou cair sobre sua cabeça. E despedindo uma luz mais viva ainda, desapareceu.
São João Bosco compreendeu então que Cagliero não morreria, pois ficavam que fazer muitas coisas para glória de Deus; que a paz, simbolizada por aquele ramo de oliveira, seria anunciada por sua palavra; que o resplendor da pomba significava a plenitude da graça do Espírito Santo que algum dia o investiria.
Desde aquele momento o Santo alimentou a idéia confusa, mas firme, que perdurou sempre nele, de que o jovem Cagliero séria Bispo. E sem mais, considerou como realizado aquele prognóstico quando Cagliero partiu pela primeira vez Para a América.
A esta primeira visão aconteceu outra. Ao chegar São João Bosco ao centro da habitação, desapareceram como por encanto as paredes e ao redor do leito do doente viu uma grande multidão de figuras estranhas de selvagens, que tinham o olhar fixo no paciente e que cheios de temor pareciam lhe pedir socorro. Dois homens que se sobressaíam entre outros, um de aspecto feroz e preto e outro de cor de bronze, de elevada estatura e porte guerreiro, com certo aspecto de bondade, estavam inclinados sobre o pequeno moribundo.
São João Bosco compreendeu mais tarde que aquelas fisionomias correspondiam aos selvagens da Patagonia e da Terra do Fogo.
Estas duas visões duraram breves instantes e nem o jovem doente nem os ali pressente se deram conta de nada.
São João Bosco, com sua acostumada serenidade e seu habitual sorriso, aproximou-se do leito lentamente, enquanto Cagliero lhe perguntava:
—É acaso esta minha última confissão? —por que me faz essa pergunta? — replicou-lhe São João Bosco.
Por que desejo saber se vou morrer.
São João Bosco se reconcentrou um pouco e lhe disse:
—me diga, João você gostaria de ir agora ao Paraíso, ou quer melhor curar e esperar ainda?
—Oh, meu querido [São] João Bosco—respondeu Cagliero—, escolho o que seja melhor para mim.
—Para ti seria certamente melhor o partir agora mesmo ao Paraíso, pois tendes poucos anos. Mas não é agora tempo disso; o Senhor não quer que morras agora. Há muitas coisas que fazer; sanarás e, segundo teu desejo de sempre, vestirás o hábito clerical..., chegarás a ser sacerdote, e depois... depois... — aqui São João Bosco deixou de falar e ficou um tanto pensativo— e depois... com teu breviário sob o braço terás que dar muitas voltas... e terás que fazer levar o breviário a outros muitos.... sim, terás que fazer ainda muitas coisas antes de morrer... e irás longe, muito longe.
E calou sem lhe dizer aonde iria.
—Se for assim —replicou Cagliero— não é necessário que me prepare para receber os Sacramentos. Eu tenho minha consciência tranqüila. Confessar-me-ei quando me levantar e quando todos meus companheiros se aproximem dos Sacramentos.
—Bem —lhe respondeu São João Bosco—, podes aguardar até que te levantes.
E nem o confessou nem lhe falou mais dos últimos sacramentos.
Desde aquele momento Cagliero não se preocupou o mais mínimo de sua enfermidade, pois tinha a segurança de que sua cura era coisa muito certo.
E, em efeito, não demorou em começar a melhorar, entrado em uma franca convalescença. Mas quando parecia afastado todo perigo, como seus parentes lhe tivessem mandado no mês de setembro um pouco de uva, o moço a comeu com avidez, como um alimento que ele considerava inofensivo, e voltou a recair, encontrando-se ao borde do sepulcro.
Teve-lhe que avisar à mãe que voltasse a vê-lo, comunicando-se o ao mesmo tempo a má aparência que havia tornado a tomar a enfermidade, e a boa mulher se apressou a retornar do Castelnuovo. Logo que penetrou na habitação e viu seu filho naquele estado, exclamou dirigindo-se às pessoas que lhe assistiam:
—Meu João está morto! Pelo que vejo, tudo terminou.
Mas João, manifestando a alegria que sentia pela chegada da mãe, sem mais começou a lhe dizer que pensasse em lhe preparar a batina de clérigo com todos os outros acessórios, para sua recepção clerical. A boa mulher acreditou que seu filho delirava e, em efeito, disse a [São] João Bosco que chegava naquele preciso momento:
—Oh, [São] João Dom Bosco, quão certo é que meu filho está muito mau! Está delirando e me fala de vestir o traje de sacerdote e me há dito que lhe prepare todo o necessário.
E o Santo lhe respondeu:
—Não, não, minha boa Teresa!, seu filho não delira, expressou-se muito bem; prepare-lhe, pois, todo o necessário para vesti-lo o de clérigo; tem que fazer ainda muitas coisas e não pode nem quer morrer.
Cagliero, que o ouvia tudo, disse:
—O que, mamãe! Não o ouvistes? Você me faz a batina e [São] João Dom Bosco me imporá isso.
Sim, sim —exclamou a mãe chorando—, pobre meu filho! Por-lhe-emos um traje, mas Deus queira que não seja muito distinto do que desejas.
São João Bosco procurou tranqüilizá-la, lhe assegurando que veria seu filho vestido de clérigo, mas a boa mulher seguia dizendo em voz baixa:
—Por-te-ei um traje qualquer quando lhe meterem na caixa.
O filho, em troca, sem perder a alegria, falava com todos os que vinham a visitá-lo, da batina que logo vestiria. Em efeito, porque tal era a vontade de Deus, quando recuperou um tanto as forças, a mãe o levou ao povoado. Estava tão magro que parecia um cadáver, estava tão debilitado que não se podia sustentar, em pé mas tinha que caminhar apoiado em uma bengala; dava compaixão vê-lo. Entretanto seguia insistindo à mãe que lhe preparasse suas vestes de clérigo, e a boa mulher decidiu lhe agradar. As pessoas que a viam entregue a esta tarefa perguntavam:
—O que fazeis, Teresa?
—Estou preparando a batina para meu filho.
—Mas se esta meio morto, se apenas se pode sustentar em pé.
—E, entretanto, ele o quer assim.
Em uma carta que São João Bosco lhe tinha escrito desde o Turim, com data de 7 de outubro, dizia-lhe: "Muito querido Cagliero. Agrada-me grandemente o saber que melhoras de saúde; nós te esperamos para quando puderes vir, o principal é que te encontres perfeitamente bem; que sigas tão alegre como de costume. Parece-me muito bem que vás preparando-te para a recepção... Saúda teus parentes; roguem todos por mim e que o Senhor lhes benza e lhes encha de toda sorte de prosperidades. Acredite-me teu muito afeiçoado: [São] João Dom Bosco".
Aproximava-se o dia em que Cagliero tinha que retornar ao Turim para a unção sacerdotal. Seus amigos e parentes tentavam tirar-lho da cabeça dado seu estado doentio, lhe dizendo que deixasse para outra sua data de recepção da batina. Mas ele respondeu:
—De maneira nenhuma. Tenho que tomar a batina agora, porque assim me há isso dito [São] João Dom Bosco.
Outros diziam que era muito jovem, que ainda tinha que fazer o último curso de bacharelado; mas ele lhes respondia:
—Não importa [São] João Dom Bosco me há dito isso.
Por mera coincidência, o dia que tinha que partir para o Oratório era o mesmo em que seu irmão tinha que contrair matrimônio, por isso este lhe insistia para que ficasse a assistir a aquela festa. João lhe respondeu:
Você faça o que queira, que eu, por minha parte, farei também o que mais me agrade; isto é: receber o hábito clerical.
Os parentes queriam retê-lo, lhe dizendo que se partisse, dava amostras de que a pessoa que o irmão tinha escolhido para esposa não lhe era grata.
—Meu irmão que faça o que queira; asseguro-lhes que estou contente, muito contente da eleição que tem feito. Não lhes basta isto?, —replicou João—. É que querem que o deixe consignado em ata notarial que estou contente?
Em 21 de novembro, Cagliero, perfeitamente restabelecido, voltava para o Oratório, e o 22, festividade da Santa Cecília, [São] João Dom Bosco benzia o hábito clerical e o impunha a seu amado filho. O Reitor do Seminário Metropolitano, cônego A. Vogliotti em 5 de novembro de 1855 concedia ao clérigo Cagliero que vivesse com [São] João Dom Bosco, freqüentando ao mesmo tempo as classes do Seminário e lhe dando ao fim de cada curso os correspondentes certificados de estudos para cumprir as disposições dadas por seu Excia. Rdma. o Senhor Arcebispo em uma circular publicada em 1 de setembro de 1834. Idênticos certificados se deram também a outros clérigos que viviam no Oratório.
São João Bosco, enquanto isso, tendo sempre ante si a visão da pomba e dos selvagens, parece que confiou o segredo a Dom Alasonatti.
Este, encontrando-se um dia com o Cagliero, disse-lhe:
—Tens que te fazer muito bom, porque Dom Bosco assegura coisas muito notáveis relacionadas contigo.
No ano de 1855, alguns clérigos e jovens rodeavam a São João Bosco que estava sentado à mesa e brincavam falando cada um de seu futuro. O Santo, ficando um pouco silencioso e adotando uma atitude pensativa e grave, como às vezes estava acostumado a ter, olhando a cada um de seus alunos, disse:
—Um de vós chegará a ser Bispo.
Esta profecia encheu a todos de admiração, e depois acrescentou sorrindo:
—Mas Dom João Bosco será sempre só Dom João Bosco.
Para ouvir estas palavras todos começaram a rir, pois eram simples clérigos e não podiam nem suspeitar em quem se cumpriria tal predição. Nenhum deles pertencia a uma classe elevada da sociedade, mas sim, ao contrário, pertenciam a uma classe modesta, mas bem pobre e a dignidade episcopal se escolhia, ao menos naqueles tempos, entre as pessoas da nobreza, ou ao menos entre indivíduos de estranha virtude e engenho. Por outra parte, a posição de São João Bosco e de seu Instituto era então tão modesta que, humanamente falando, parecia impossível que um de seus alunos fosse eleito para o Episcopado. Quanto mais que então não se tinha idéia das Missões exteriores ou estrangeiras. Mas a mesma improbabilidade de tal acontecimento mantinha viva a predição e inclusive não faltou quem durante algum tempo alimentou a idéia de ser ele o candidato.
Estavam pressentes quando São João Bosco disse estas palavras os clérigos Turchi, Reviglio, Cagliero, Francesia, Anfossi e o [Beato] Miguel Rúa. E estes mesmos ouviram o servo de Deus repetir:
—Quem ia dizer que um de vós seria eleito Bispo?
Também repetiu não poucas vezes:
—Oh! Observemos a ver se [São] João Dom Bosco se equivoca. Vejo em meio de vós uma mitra e não será uma mitra sozinha. Mas aqui já há uma.
E os clérigos tentavam, brincando com São João Bosco, adivinhar quem deles, então simples clérigos, chegaria a ser Bispo. O servo de Deus, por sua parte, sorria e calava. Às vezes pareceu deixar entender algo do que tinha visto na visão.
Narra Mons. Cagliero: Nos primeiros anos de meu sacerdócio me encontrei com [São] João Dom Bosco ao pé da escada um tanto cansado. Com amor filial e em tom de brincadeira:
--- [São] João Dom Bosco, me dê a mão —lhe disse—, já verá como sou capaz de lhe ajudar a subir as escadas.
E ele, paternalmente, tendeu-me sua mão, mas ao chegar ao último lance me dou conta de que tentava beijar minha mão direita. Imediatamente a retirei, mas não o fiz a tempo.
Então lhe disse:
—Com isto pretendeu humilhar-se ou me humilhar?
—Nenhuma coisa nem outra —me respondeu—; o motivo o saberás a seu tempo.
No 1883 oferecia a Dom Cagliero um indício mais claro; porque no momento de partir para a França, depois de fazer seu testamento e dar as lembranças a cada um dos membros do Capítulo Superior, ao Cagliero entregava uma caixinha selada, lhe dizendo:
—Isto é para ti.
E partiu.
Algum tempo depois Dom Cagliero se deixou levar da curiosidade e quis ver o conteúdo daquela caixinha e eis que encontrou nela um precioso anel.
Finalmente, em outubro de 1884, tendo sido eleito Dom Cagliero Bispo titular da Magida, este pediu a São João Bosco se dignasse lhe revelar o segredo de trinta anos atrás, quando assegurava que um de seus clérigos chegaria a ser Bispo.
—Sim— lhe respondeu, dir-lhe-ei isso na véspera de sua consagração.
E na véspera daquele dia o Santo passeando a sós com o Mons. Cagliero por sua habitação, disse-lhe:
Recorda a grave enfermidade que padeceu quando foi jovem, ao princípio de seus estudos?
—Sim, senhor, recordo-o —respondeu Dom Cagliero—, e lembrança também que Vocês foram me administrar os últimos sacramentos e não me os administrou isso e me disse que sanaria e que com meu breviário iria longe, muito longe, a trabalhar no sagrado ministério sacerdotal... e... não me disse mais.
Pois bem, escuta —prosseguiu São João Bosco—.
E lhe contou as duas visões com todas suas particularidades e detalhes.
Mons. Cagliero, depois de havê-lo ouvido tudo, pediu-lhe ao Santo que narrasse àquela mesma noite, durante o jantar, aos irmãos do Capítulo Superior, aquelas visões. E como não sabia negar-se, especialmente quando o que lhe pedia redundava em major gloria de Deus e bem das almas, condescendeu e contou diante do Capítulo as mesmas coisas que acabamos de expor.
Temos escrito estas páginas —termina Dom Lemoyne— aquela mesma noite sob o ditado do Mons. Cagliero.
(M. B. Tomo V, págs. 105 107)

O balão de fogo — 1854

Lê-se nas Memórias Biográficas o seguinte:
"Durante as solenes festas religiosas que se celebravam no Oratório do Turim do 21 ao 28 de maio, em um desses dias não precisado pelas crônicas, São João Bosco contou aos jovens como tinha visto um balão luminoso, de fogo, sobre o lugar em que mais tarde se levantou a Igreja da Maria Auxiliadora".
Parecia que a Santíssima Virgem queria indicar com este sinal que não tinha renunciado àquele lugar.
José Buzzeti, testemunha do relato, recordava em 1887 a São João Bosco, em Lanço, este relato, lhe perguntando a seguir:
—Não seria talvez a cúpula da Igreja Maria Auxiliadora iluminada?
—E por que não? — replicou São João Bosco.
Notamos ao leitor que incluímos baixo o nome genérico de sonho algumas autênticas visões de nosso santo.
(M. B. Tomo V. pág. 64)

Grandes funerais na corte— 1854 – Parte I

Este sonho esta dividido em duas partes.
O presente sonho está relacionado com a atitude do Parlamento Piemontês e do ministro Cavour, que pretendiam pôr em vigor a lei Ratazzi, sobre supressão dos bens eclesiásticos e das Ordens religiosas. São João Bosco, prevendo os males que com isso se ocasionariam à Igreja, desejava separar da Casa Real da Sabóia as divinas ameaças que sobre ela se abatiam, e a ele reveladas
E, em conseqüência, eis aqui o sonho que teve por volta de finais do mês de novembro de 1854.
"Pareceu-lhe encontrar-se no lugar onde se levanta o pórtico central do Oratório, obra então em construção, junto à bomba hidráulica colocada na parede da Casinha Pinardi. Estava rodeado de sacerdotes e clérigos. De pronto viu que avançava para o centro do pátio um pajem da Corte vestido de uniforme vermelho, o qual, apressadamente chegou aonde São João Bosco se encontrava, e nosso Santo lhe ouviu gritar:
—Uma grande noticia!
—Que notícia? — perguntou-lhe São João Bosco.
—Anuncia! Grande funeral na Corte! Grande funeral na Corte!
São João Bosco, ante esta imprevista aparição e ao escutar aquele anúncio ficou como petrificado, enquanto o pajem voltava a repetir:
—Grande funeral na Corte!
São João Bosco quis então lhe perguntar algo mais sobre seu fúnebre anúncio, mas ao tentar fazê-lo, o pajem tinha desaparecido.
Havendo despertado, o Santo estava como fora de si, e ao compreender o mistério daquela aparição, tomou a pluma e começou a redigir uma carta dirigida ao Vítor Manuel, pondo nela de manifesto quanto lhe tinha sido anunciado e relatando nela o sonho com toda simplicidade.
Depois do meio-dia chegou ao refeitório com um pouco de atraso. Os jovens recordam ainda como sendo aquele ano de um frio muito intenso, Dom Bosco levava postas umas luvas muito velhas e danificadas e entre as mãos um pacote de cartas. Formou-se então um coro ao seu redor. Estavam pressentes Dom Alasonatti, Ángel Sávio, Cagliero, Francesia, João Turchi, Reviglio, Rúa, Afifossi, Buzzetti, Enría, Tomatis e outros, em sua maioria clérigos. São João Bosco começou a dizer sorrindo:
—Esta manhã, queridos filhos, tenho escrito três cartas a outros tantos personagens: Ao Papa, ao Rei e ao verdugo.
A risada foi geral ao sentir pronunciar unidos os nomes destes três personagens. Quanto à referência do verdugo, a ninguém agarrou de surpresa, pois todos sabiam que o Santo tinha amizade com os empregados do cárcere e que precisamente o verdugo era um cristão exemplar, exercendo a caridade para com os pobres o melhor que podia. Estava acostumado a escrever as solicitações que a gente do povo queria fazer ao Rei ou às autoridades e amargava uma grande pena, pois tinha tido que retirar das escolas públicas a um filho dele, pois os companheiros fugiam dele por ser o filho do verdugo.
Quanto ao Papa Pio IX, ninguém ignorava a correspondência que São João Bosco mantinha com o Vigário de Cristo. Portanto, o que intrigava aos ouvintes era o fato de que o servo de Deus tivesse escrito ao rei, quanto mais que todos sabiam o que o santo pensava sobre a usurpação dos bens da Igreja. São João Bosco lhes manifestou imediatamente quanto tinha escrito ao monarca lhe aconselhando que não permitisse a tramitação de tão infausta lei. Narrou-lhes, pois, o sonho que tinha tido, terminando o relato com estas palavras:
—Este sonho me causou muito mal-estar e me fatigou muito.
São João Bosco parecia muito preocupado naquela ocasião, exclamando de vez em quando:
Quem sabe?... Quem sabe?... Rezemos... rezemos... Surpreendidos os clérigos, ao ouvir o relato do sonho começaram a fazer conjeturas e a perguntar-se mutuamente se se sabia se no palácio real havia algum nobre doente; todos concluíram que nada se podia assegurar sobre o particular.
São João Bosco, enquanto isso, chamando o clérigo Ángel Sávio, entregou-lhe uma carta.
—Cópia esta carta e anuncia ao rei: grande funeral na Corte!
O clérigo Sávio fez o que lhe tinham indicado, mas o Rei, conforme se soube depois pelos confidentes do Monarca, leu o escrito com indiferença e não fez caso do que se lhe dizia.
(Volume V, págs. 176-181)

Grandes funerais na corte— 1854 - Parte II

Tinham passado uns cinco dias deste sonho e São João Bosco voltou sonhar a noite seguinte.
Pareceu-lhe estar em sua habitação sentado no seu escritório, escrevendo, quando ouviu o barulho dos cascos de um cavalo no pátio.
Ele vê que se abre a porta e que aparece o pajem com seu casaco vermelho e que, indo até o centro da habitação, detém-se e grita:
—Anuncio! Não grande funeral na Corte, mais grandes funerais na Corte!
E repetiu estas mesmas palavras duas vezes. Seguidamente se retirou apressadamente, fechando a porta atrás de si. São João Bosco desejava saber algo mais, queria interrogá-lo, pedir-lhe alguma explicação, para o qual se levantou da mesa e correu ao balcão vendo o emissário subir ao cavalo. Chamou-o, perguntou-lhe por que tinha vindo para lhe repetir o mesmo anúncio, mas este afastou-se gritando:
—Grandes funerais na Corte!
Ao amanhecer, o mesmo São João Bosco dirigiu ao rei outra carta, na qual lhe contava este segundo sonho e concluía advertindo à sua majestade que pensasse em conduzir-se de maneira a poder conjurar os graves castigos que se abatiam sobre a Casa Real, pedindo-lhe ao mesmo tempo que se opusesse à lei em questão.
De noite, depois do jantar, encontrando-se São João Bosco em meio dos clérigos, disse-lhes:
—Não sabem que tenho que lhes dizer um pouco mais estranho que o do outro dia?
E seguidamente lhes contou quanto tinha visto em sonhos a noite anterior. Então, os clérigos, sem poder dissimular sua estranheza, perguntaram-lhe o que significariam aqueles anúncios de morte. É de se supor a ansiedade geral, à espera de que se cumprissem estes vaticínios.
São João Bosco manifestou claramente ao clérigo Cagliero e a alguns outros, que se tratava das ameaças e castigos com que o Senhor daria a conhecer sua indignação contra aqueles que tinham conduzido males à sua Igreja e que se estavam preparando outros maiores.
Naqueles dias o servo de Deus mostrava-se pesaroso, ouviam-no exclamar freqüentemente:
—Esta lei atrairá sobre a Casa reinante grandes desgraças.
Todas estas coisas as manifestava aos seus, para induzi-los a rezar pelo Rei, rogando à misericórdia divina que impedisse a dispersão de tantos religiosos e a perda de tantas vocações.
Enquanto isso, o Rei tinha entregue aquelas cartas ao marquês Fassati, o qual depois de lê-las visitou o Oratório e disse a Dom Bosco;
—Oh! Parece-lhe esta uma bonita maneira de pôr em angústias a toda a Corte? O Rei está profundamente perturbado e impressionado, mas, sobre tudo, sua indignação não tem limites.
São João Bosco replicou-lhe:
—Mas, se o escrito nas cartas é certo? Sinto ter ocasionado este desgosto a meu soberano, mas, em resumidas contas, trata-se de seu bem e do bem da Igreja.
Os avisos dados por São João Bosco foram ignorados. Em 28 de novembro de 1854, o ministro Urbano Ratazzi apresentava aos deputados um projeto de lei para a supressão das Ordens religiosas. O ministro das Finanças, Camilo Cavour, estava disposto a que esta lei se aprovasse a todo transe. Estes senhores se apoiavam na idéia de que fora do (controle do) estado não há nem pode dar-se sociedade a ele superior e dele independente. Que o Estado o é tudo, e que, portanto, nenhum ente moral, nem sequer a Igreja Católica, pode existir sem o conhecimento e o consentimento da autoridade civil. Por isso, dito poder, ao não reconhecer à Igreja Católica o direito de domínio sobre os bens eclesiásticos e sobre as corporações religiosas, defendia que estas tinham que depender da autoridade civil devendo modificar-se sua forma de existência ou extinguir-se por vontade da mesma soberania e, portanto o Estado, herdeiro de toda personalidade civil que não tinha sucessão, transformar-se-ia no proprietário único e absoluto de todos seus bens.
Engano colossal, pois tais patrimônios, quando uma Congregação ou Ordem religiosa deixasse de existir por qualquer motivo, não ficavam sem dono, devendo ser devolvidos à Igreja de Jesucristo, representada pelo Supremo Pontífice, embora os adoradores do Estado se empenhassem em negá-lo.
A notícia da apresentação deste projeto de lei ocasionou uma muito viva dor aos bons católicos e a São João Bosco. Ora, para secundar a vontade do céu, tinha este admoestado reiteradamente ao soberano; proceder justo mas perigoso, cujas conseqüências podiam prever-se. Outra pessoa, por serena e resolvida que fosse, em meio de tantas adversidades, teria vivido necessariamente em um contínuo estado de inquietação.
São João Bosco, ao invés, permaneceu sempre imperturbável, encontrando o vigor necessário no Coração Sacratíssimo de Jesus e no auxílio de sua celestial Mãe.
Enquanto se discutia a iníqua lei contra os bens eclesiásticos, um doloroso acontecimento deveu interromper o trabalho dos deputados.
Em 5 de janeiro de 1855 a reina mãe Maria Teresa adoeceu de improviso e embora toda a noite esteve atormentada por uma grande sede, não quis beber para poder comungar no dia da Epifanía; mas não pôde levantar-se.
O Rei Vítor Manuel escrevia ao general Afonso la Marmora. "Minha mãe e minha esposa não fazem mais que me repetir que morrerão de desgosto por minha culpa".
A augusta doente morria em 12 de janeiro, pouco depois do meio-dia, à idade de cinqüenta e quatro anos. A Câmara, para manifestar ao rei seu pesar, suspendeu seus trabalhos.
Grande desgraça foi para o Piamonte a perda da Maria Teresa, que repartia diariamente entre os necessitados esmolas sem conta. O luto foi universal, como universais foram as orações que de todas partes se elevaram à sua memória.
Enquanto se fechava aquele féretro chegava às mãos do Rei outra carta misteriosa que dizia, sem nomear a ninguém: "Pessoa iluminada do alto tem dito: se a lei prosseguir adiante, novas desgraças acontecerão a sua família. Isto não é mais que o prelúdio dos males futuros Erunt mala super mala in domo tua. Se não voltardes atrás, abrirá um abismo que não poderás superar".
O soberano, depois de ler esta carta ficou apavorado, e preso da mais viva inquietação não achava repouso em nada.
Os solenes funerais pela alma da Maria Teresa se celebraram na manhã do 16, o féretro foi transportado a Superga sob uma temperatura extrema que fez adoecer a muitos soldados e também ao conde do Sangicsto, escudeiro da Rainha. Ainda não tinha retornado à Corte de render as últimas honras à mãe do Vítor Manuel, quando a família real foi chamada com urgência para que assistisse ao Viático da nora da defunta. A Rainha Maria Adelaida, ao sobrevir a morte da Maria Teresa estava no quarto dia do pos-parto, tendo dado felizmente a luz um menino. Ela, que tanto amava à Rainha mãe, sentiu uma tão viva dor ao inteirar-se de sua morte, que, atacada por uma metro-gastroenteritis, viu-se reduzida aos extremos. Às três da tarde se lhe administrou o Viático, que foi levado da Real Capela do Sudário. Uma multidão imensa ia a todos os templos para impetrar ao céu pela saúde da soberana. Todo o Piamonte associou-se à dor da família real cumprindo-se aquele dito de "que no Piamonte, as desventuras do Rei são as desgraças do povo". Mas no dia 20 foi administrada a Extrema-unção à doente, que entrou em agonia, expirando às seis da tarde no beijo do Senhor, à curta idade de trinta e três anos.
E não terminou aqui o luto da Casa da Sabóia. Na mesma tarde foi dado o Viático ao S. A. R. Dom Fernando, duque de Genova, doente desde fazia tempo; era o duque de Genova o único irmão do Rei Vítor Manuel. O soberano sentiu-se afligido por este acumulo de dores.
Nos dia 21, a Câmara de deputados se reunia às três da tarde, e ao comunicar-se o noticia da morte da Rainha, deliberou-se de observar treze dias de luto e a suspensão das reuniões por espaço de dez.
Os funerais da Maria Adelaida celebraram-se em 24 de janeiro, sendo conduzido o féretro a Superga.
Os clérigos do Oratório estavam aterrados ao comprovar como se realizavam de uma maneira tão fulminante as profecias de São João Bosco, e a impressão era tanto major quanto que formavam parte de cada um dos cortejos fúnebres das pessoas reais desaparecidas.
Circunstância particular; o frio era tão intenso que o grande mestre de cerimônias da Corte, ao ter transladado o féretro da Rainha Adelaida, permitiu ao clero usar casacos especiais e cobrir a cabeça.
Para o Oratório aqueles acontecimentos constituíam uma grande desgraça e os clérigos diziam a São João Bosco:
—Já se realizou seu sonho. Na verdade que foram grandes funerais, conforme anunciava o pajem! Não sabemos se a justiça divina estará já satisfeita.
São João Bosco, em efeito, devia conhecer muito mais do que tinha anunciado.
A condessa Felicita Crabosio-Anfossi —conta Dom Lemoyne— mandou-nos o seguinte testemunho por ela assinado: "Corria o ano de 1854 e roguei a [São] João Dom Bosco que aceitasse no Oratório a um irmão de leite de meu filho, que tinha ficado órfão de pais. [São] João Bosco o aceitou com a condição de que, estando eu na Corte como estava, apresentasse às soberanas para obter de sua caridade dois mil francos que o servo de Deus necessitava para poder pagar uma dívida urgente.
Eu lhe prometi fazê-lo, e em efeito, estava resolvida a cumprir minha promessa; mas, depois surgiram algumas dificuldades que me fizeram diferir as visitas às augustas senhoras, as quais, naquele tempo, ausentaram-se de Turim, vivendo em um imóvel do conde Cays da Giletta.
Tendo ido eu também ao campo, voltei para a cidade já muito avançado o outono e seguidamente fui entrevistar-me com [São] João Dom Bosco, o qual me disse imediatamente:
—aceitei a seu protegido, mas você não cumpriu ainda sua promessa; não falou com as soberanas de minha dívida com o padeiro.
—É certo — repliquei um pouco confusa—, mas tenha a segurança de que apenas as augustas senhoras estejam de retorno no Turim, não deixarei de cumprir o prometido.
Enquanto eu falava, [São] João Dom Bosco fazia com a cabeça um movimento como indicando que não, e com um sorriso um tanto triste, disse-me:
—Paciência! Podem acontecer tantas coisas que, ao melhor, a você não será possível falar mais com as soberanas.
—por que diz isso?
—Porque é assim; você não verá mais às rainhas.
Quinze dias depois, me encontrando na casa de uns nobres, soube a volta das soberanas ao Turim e que a Rainha Maria Teresa estava tão doente que lhe tinham administrado os Santos Sacramentos. Logo recebemos a notícia de seu falecimento. Oito dias mais tarde morria a jovem Rainha Maria Adelaida, ambas choradas e veneradas como duas soberanas santas.
Somente então recordei as palavras de [São] João Bosco, não duvidando de seu espírito verdadeiramente profético.
(Volume V, págs. 176-181)