sábado, 15 de agosto de 2009

O lenço da Virgem; a pureza — 1861

Na noite de 18 de junho, (São) João Dom Bosco contou aos jovens a seguinte historia ou sonho, como o definiu em outra ocasião. Sua forma de narrar era sempre tal que bem pôde dizer o clérigo Ruffino ao recordá-la o que Baruch diz das visões de São Jeremias: "Pronunciava com a boca estas palavras como se as estivesse lendo e eu as escrevia no livro com a tinta" (Baruch XXXVI).
(São) João Dom Bosco, pois, falou assim:
"Era a noite do 14 aos 15 de junho. Depois que me tive deitado, logo que tinha começado a dormir, sinto um grande golpe na cabeceira, algo assim como se alguém batesse nela com uma bengala. Incorporei-me rapidamente e lembrei-me em seguida do raio; olhei para uma e outra parte e nada vi. Por isso, persuadido de que tinha sido uma ilusão e de que nada tinha que real em todo aquilo, voltei a me deitar.
Mas logo que tinha começado a conciliar o sonho quando, eis aqui que o ruído de um segundo golpe fere meus ouvidos despertando-me de novo. Incorporo-me outra vez, desço do leito, procuro, observo debaixo da cama e da mesa de trabalho, esquadrinho os rincões da habitação; mas nada vi.
Então, pus-me nas mãos do Senhor, tomei água bendita e voltei-me a deitar. Foi então quando minha imaginação, indo de uma parte a outra, viu o que agora lhes vou contar.
Pareceu-me encontrar-me no púlpito de nossa igreja disposto a começar uma conversa. Os jovens estavam todos sentados em seus sítios com o olhar fixo em mim, esperando com toda atenção que eu lhes falasse. Mas eu não sabia de que tema tratar ou como começar o sermão. Por mais esforços de memória que fazia, esta permanecia em um estado de completa passividade. Assim estive por espaço de um pouco de tempo, confundido e angustiado, não me havendo ocorrido coisa semelhante em tantos anos de predica. Mas, eis aqui que pouco depois vejo a igreja convertida em um grande vale. Eu procurava com a vista os muros da mesma e não os via como tampouco a nenhum jovem. Eu estava fora de mim pela admiração, sem saber-me explicar aquela mudança de cena.
— Mas o que significa tudo isto?, — disse-me a mim mesmo —. Faz um momento estava no púlpito e agora me encontro neste vale. Será que sonho? O que faço?
Então decidi-me a caminhar por aquele vale. Enquanto o percorria procurei a alguém a quem manifestar-lhe minha estranheza e pedir-lhe ao mesmo tempo alguma explicação. Logo vi ante mim um formoso palácio com grandes balcões e amplos terraços ou como queiram chamar, que formavam um conjunto admirável. Diante do palácio estendia-se uma praça. Em um ângulo dela, à direita, descobri um grande número de jovens agrupados, os quais rodeavam a uma Senhora que estava entregando um lenço a cada um deles.
Aqueles jovens, depois de receber o lenço subiam e se dispunham em fila um detrás de outro no terraço que estava cercado por uma balaustrada.
Eu também aproximei-me da Senhora e pude ouvir que no momento de entregar os lenços, dizia a todos e a cada um dos jovens estas palavras:
— Não o abram quando soprar o vento, e se este os surpreende enquanto o estão estendendo, voltem-se imediatamente para a direita, nunca à esquerda.
Eu observava a todos aqueles jovens, mas no momento não conheci nenhum. Terminada a distribuição dos lenços, quando todos os moços estiveram no terraço, formaram uns detrás de outros uma fila comprida, permanecendo direitos sem dizer uma palavra. Eu continuei observando e vi um jovem que começava a tirar seu lenço estendendo-o; depois comprovei como também outros jovens foram tirando pouco a pouco os seus e os desdobravam, até que todos tiveram o lenço estendido. Eram os lenços muito largos, bordados em oro com uns trabalhos finíssimos e se liam neles estas palavras, também bordadas em ouro: Regina virtutum.
Quando eis aqui que do norte, isto é, da esquerda, começou a soprar brandamente um pouco de ar, que foi aumentando cada vez mais até converter-se em um vento impetuoso. Logo que começou a soprar este vento, vi que alguns jovens dobravam o lenço e o guardavam; outros se voltavam do lado direito. Mas uma parte permaneceu impassível com o lenço desdobrado. Quando o vento se fez mais impetuoso começou a aparecer e a estender uma nuvem que logo cobriu todo o céu. Seguidamente se desencadeou um furioso temporal, ouvindo o fragoroso rodar do trovão; depois começou a cair granizo, a chover e finalmente a nevar.
Enquanto isso, muitos jovens permaneciam com o lenço estendido, e o granizo, caindo sobre ele, furava-o transpassando o de parte a parte; o mesmo efeito produzia a chuva, cujas gotas parecia que tivessem ponta; o mesmo dano causavam os flocos de neve. Em um momento todos aqueles lenços ficaram danificados e lascerados perdendo toda sua formosura.
Este fato despertou em mim tal estupor que não sabia que explicação dar ao que tinha visto. O pior foi que havendo-me aproximado daqueles jovens aos quais não tinha conhecido antes, agora, ao olhá-los com maior atenção, reconheci-os a todos distintamente. Eram meus jovens do Oratório. Aproximando-me ainda mais, perguntei-lhes:

— O que você faz aqui? É você fulano?
— Sim, aqui estou. Olhe, também está fulano, e o outro e o outro.
Fui então aonde estava a Senhora que distribuía os lenços; perto Dela havia alguns homens aos quais falei:
— O que significa tudo isto?
A Senhora, voltando-se para mim, respondeu-me:
— Não liste o que estava escrito naqueles lenços?
— Sim: Regina virtutem.
— Não sabes por que?
— Sim que sei.
— Pois bem, aqueles jovens expuseram a virtude da pureza ao vento das tentações. Os primeiros, apenas se deram conta do perigo fugiram, são os que guardaram o lenço; outros, surpreendidos e não tendo tido tempo de guardá-lo, voltaram-se para a direita; são os que no perigo recorrem ao Senhor voltando as costas ao inimigo. Outros, permaneceram com o lenço estendido ante o ímpeto da tentação que lhes fez cair no pecado.
Ante semelhante espetáculo senti-me profundamente abatido e estava para me deixar levar do desespero ao comprovar quão poucos eram os que tinham conservado a bela virtude, quando prorrompi em um doloroso pranto. Depois de me haver serenado um tanto, prossegui:
— Mas como é que os lenços foram furados não só pela tempestade, mas também pela chuva e pela neve? As gotas de água e os flocos de neve não indicam acaso os pecados pequenos, ou seja, as faltas veniais?
— Mas não sabe que nisto non datur parvitas materiae (não há matéria leve)? Contudo, não te aflijas tanto, vêem ver.
Um daqueles homens avançou então para o balcão, fez um sinal com a mão aos jovens e gritou:
— À direita!
Quase todos os moços voltaram-se para a direita, mas alguns não se moveram de seu sítio e seu lenço terminou por ficar completamente destroçado. Então vi o lenço dos que tornaram-se para a direita diminuir de tamanho, com cerzidos e remendos, mas sem buraco algum. Contudo, estavam em tão deplorável estado que dava compaixão ao vê-los; tinham perdido sua forma regular. Uns mediam três palmos, outros dois, outros um.
A Senhora acrescentou:
— Estes são os que tiveram a desgraça de perder a bela virtude, mas remedeiam suas quedas com a confissão. Os que não se moveram são os que continuam em pecado e, talvez, talvez, caminham irremediavelmente a sua perdição.
Ao fim, disse: Nemini dicito, sede tantum ádmone.
A desgraça a que alude (São) João Dom Bosco no sonho é o raio que caiu no dormitório de São Luis do Oratório, no qual descansavam uns sessenta jovens artesãos, na noite de 15 de maio de 1851.
(M. B. Volume VI, págs. 972-975)

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