sábado, 15 de agosto de 2009

as 22 Luas — 1854

Em março de 1854, dia de festa, São João Bosco, depois da função de Vésperas, reuniu a todos os alunos internos em um local situado detrás da sacristia e lhes anunciou que lhes queria narrar um sonho. Estavam pressentem, entre outros, o jovem Cagliero, Turchi, Anfossi e os clérigos Reviglio e Buzzetti, de cujos lábios ouvimos a narração que seguidamente vamos transcrever. Todos estavam persuadidos de que sob o nome de sonho, São João Bosco estava acostumado a ocultar as manifestações e ensinos que recebia do céu.
Sonho sobre a morte de um estudante

Hei aqui o texto do sonho:
Encontrava-me em meio de vós no pátio e alegrava o meu coração ao lhes ver tão vivazes, alegres e contentes. Alguns saltavam, outros gritavam, outros corriam. Repentinamente vejo que um de vós saiu por uma porta da casa e começou a passear entre os companheiros com uma espécie de cartola ou turbante na cabeça. Era o tal turbante transparente, estando iluminado por dentro, ostentando no centro uma formosa lua em que aparecia gravada a cifra 22. Eu, admirado, procurei imediatamente me aproximar do jovem em questão para lhe dizer que deixasse aquele disfarce carnavalesco; mas eis aqui que enquanto isso o ambiente começou a obscurecer-se e com o toque de sino o pátio ficou deserto, indo todos os jovens a reunir-se em fila debaixo dos pórticos. Todos refletiam em seus rostos um grande temor e dez ou doze tinham a cara coberta de mortal palidez. Eu passei por diante de todos para examiná-los e entre os tais descobri ao que levava a lua sobre a cabeça, o qual estava mais pálido que outros; de seus ombros pendia um manto fúnebre. Dirijo-me a ele para lhe perguntar o significado de todo aquilo, quando uma mão me detém e vejo um desconhecido de aspecto grave e nobre fisionomia, que me diz:
—antes de te aproximar dele, escute-me; ainda tem 22 luas de tempo; antes que tenham passado, este jovem morrerá. Não lhe perca de vista e prepara-o.
Eu quis pedir a aquele personagem alguma outra explicação sobre o que me acabava de dizer e sobre sua repentina aparição, mas não consegui lhe ver mais.
O jovem em questão, meus queridos filhos, é-me conhecido e está em meio de vós.
Um vivo terror se apoderou dos ouvintes, ainda mais sendo a primeira vez que São João Bosco anunciava em público e com certa solenidade a morte de um dos de casa. O bom pai não pôde por menos de notá-lo e prosseguiu:
—Eu conheço o das luas, está em meio de vós. Mas não quero que lhes assustem. Como lhes tenho dito, trata-se de um sonho e sabem que não sempre se deve emprestar fé aos sonhos. De todas maneiras, seja como for, o certo é que devemos estar sempre preparados como nos recomenda isso o Divino Salvador no Evangelho e não cometer pecados; assim a morte não nos causará espanto. Sede todos bons, não ofendam ao Senhor e eu enquanto isso estarei alerta e não perderei de vista ao do número 22, o das 22 luas ou 22 meses, que isso quer dizer, e espero que tenha uma boa morte.
Esta notícia, embora assustasse muito aos jovens, fez imediatamente um maior bem entre eles, pois todos procuravam manter-se na graça de Deus, com o pensamento da morte, enquanto contavam as luas que se foram acontecendo.
São João Bosco, de vez em quando, perguntava-lhes:
—Quantas luas faltam ainda?
E os jovens respondiam:
—Vinte, dezoito, quinze, etc.
Às vezes, alguns que não perdiam uma só de suas palavras, se lhe aproximavam para lhe dizer o número de luas que tinham transcorrido e tentavam fazer prognósticos, adivinhar... Mas Dom Bosco guardava silêncio.
O jovem Gurgo, que tinha entrado no Oratório no mês de novembro, ouviu falar das luas e pelos superiores e companheiros deveu saber a predição de São João Bosco. E também como outros começou a emprestar atenção aos acontecimentos.
Finalizou o ano de 1854; passaram alguns meses de 1855 e chegou o mês de outubro, isto é, o correspondente à vigésima lua. Cagliero, já clérigo, tinha sido encarregado de vigiar três habitações situadas perto da Casa Pinardi, que serviam de dormitório a alguns jovens. Entre eles havia um tal Segundo Gurgo que contava uns dezessete anos, bem desenvolvido e robusto, protótipo de jovem saudável, que oferecia garantias por seu aspecto, de viver larga vida até alcançar uma extrema velhice.
Seu pai o tinha recomendado a São João Bosco para que o aceitasse como pensionista. Pianista excelente e bom organista estudava música da manhã até a noite e ganhava um bom dinheiro dando classes em Turim.

São João Bosco acompanha e prepara o jovem que sabe que falecerá em 22 meses
São João Bosco, com o passar do ano, tinha pedido de vez em quando ao clérigo Cagliero informasse sobre a conduta de seus assistidos com particular interesse. No mês de outubro ou chamou e lhe disse:
—Onde dorme?
—Na última habitação e desde ela vigio as outras dois - replicou Cagliero—.
—E não seria melhor que transladasses tua cama à habitação do centro?
—Como você queira; mas lhe faço saber que as outras duas habitações não têm umidade, enquanto que uma das paredes da segunda corresponde ao muro do campanário da igreja recentemente construído. Portanto, há nela um pouco de umidade: aproxima-se o inverno e poderia me produzir alguma enfermidade. Por outra parte, de onde estou instalado agora, posso assistir muito bem a todos os jovens de meu dormitório.
—Quanto a assisti-los, sei que o podes fazer bem; mas é melhor —replicou São João Bosco— que te translades à habitação do centro.
Cagliero obedeceu, mas depois de algum tempo pediu permissão a São João Bosco para levar sua cama novamente à primeira habitação.
Dom Bosco não ou consentiu.
—Continua —lhe disse— onde estás e está tranqüilo porque tua saúde não se ressentirá o mais mínimo.
Cagliero tranqüilizou-se e alguns dias depois foi chamado novamente por Dom Bosco.
—Quantos há em tua nova habitação?
—Três - replicou—; eu, o jovem Segundo Gurgo e Garovaglia, e o piano que faz o número quatro.
—Bem —disse Dom Bosco— muito bem. São três pianistas e Gurgo lhes poderá dar lições de música. Você procure não o perder de vista.
E não acrescentou nada mais. O clérigo, apressado pela curiosidade e suspeitando algo, começou a lhe fazer algumas pergunta, mas São João Bosco lhe interrompeu dizendo:
—O porquê de tudo isto saberás a seu tempo.
O segredo não era outro, mas sim que naquela habitação estava o jovem das 22 luas.
A princípios de dezembro não havia nenhum doente no Oratório e São João Bosco, subindo à sua tribuna depois das orações da noite, anunciou que um dos jovens pressente morreria antes da festa de Natal.
Ante esta nova predição e o próximo cumprimento das 22 luas na casa reinava uma grande preocupação; os jovens recordavam freqüentemente as palavras de São João Bosco e temiam o cumprimento do anunciado.
São João Bosco naqueles dias chamou novamente ao Cagliero lhe perguntando se Gurgo se comportava bem e se depois de dar as aulas de música na cidade, retornava a casa cedo. Cagliero lhe respondeu que tudo procedia normalmente, não havendo novidade alguma entre seus companheiros.
—Muito bem - acrescentou o Santo—, estou contente; procura que todos observem boa conduta e me avise se acontecesse qualquer inconveniente.
E dito isto não acrescentou mais.
Mas hei aqui que por volta da metade de dezembro Gurgo se sente assaltado por um cólica violenta e tão devastadora que, tendo sido chamado o médico com toda urgência, por conselho deste, lhe administraram ao paciente os últimos Sacramentos. Oito dias durou a penosa enfermidade e Gurgo foi melhorando graças aos cuidados do doutor Debernardi, de forma que logo pôde levantar do leito convalescente. O mal tinha sido conjurado e o médico assegurava que o jovem se livrou de boa. Enquanto isso se tinha avisado ao pai do moço, pois não tendo morrido até então ninguém no Oratório, São João Bosco queria liberar a seus jovens de tão desagradável espetáculo.
A novena de Natal tinha começado e Segundo Gurgo pensava ir seu povo natal para passar as Páscoas com seus parentes', posto que se encontrasse quase restabelecido de sua doença. Apesar disso, quando davam boas notícias a São João Bosco sobre este jovem, parecia que o bom pai se resistia a acreditar.
Uma vez apareceu no Oratório o senhor Gurgo, ao encontrar a seu filho em tão bom estado de saúde, obtido a permissão correspondente, foi reservar dois assentos na diligência para partir com ele ao dia seguinte a Novara e daqui ao Pettinengo, onde se reporia de tudo, desfrutando dos ares nativos.
Era no domingo 23 de dezembro; Gurgo manifestou aquela tarde desejos de comer um pouco de carne, alimento que lhe tinha sido proibido pelo médico. O pai por agradá-lo lhe fez cozer uma carne. O jovem bebeu a calda e comeu a carne, que certamente devia estar meio crua, em quantidade um pouco excessiva. O pai partiu e na habitação ficaram Cagliero e o doente. Mas eis aqui que, a certa hora da noite o paciente começa a queixar-se de fortes dores de ventre. A cólica lhe tinha voltado de um modo mais alarmante. Gurgo chamou por seu nome ao assistente:
—Cagliero, Cagliero! Já terminei de te dar as classes de piano!
—Tenha paciência, ânimo! —respondeu Cagliero—.
—Já não irei mais a casa. Roga por mim; não sabes o mal que me sinto. Pede por mim à Santíssima Virgem.
—Sim, fá-lo-ei; você invoque-a também.
Seguidamente Cagliero começou a rezar pelo doente, mas vencido pelo sonho ficou dormido. Mas eis que de repente o enfermeiro o sacode e indicando ao Gurgo corre a chamar imediatamente a Dom Alasonatti, que dormia na habitação contígua.
A desolação na casa foi general. Cagliero encontrou à manhã seguinte a São João Bosco que baixava as escadas para ir celebrar; o bom pai estava profundamente apenado porque já lhe tinham comunicado a dolorosa noticia.

Comoção e impressão com o vaticínio cumprido feito por São João Bosco
No Oratório se comentou muito esta morte. Era a vigésima segunda lua ainda não cumprida; e Gurgo, ao morrer no dia 24 de dezembro antes da aurora, fazia que se cumprisse a segunda predição de São João Bosco, ou seja, que não iria assistir à festa de Natal.
Depois da comida, jovens e clérigos rodearam silenciosos ao Santo.
O clérigo Turchi lhe perguntou se Gurgo era o das luas.
—Sim —replicou São João Bosco— ele era; o mesmo que vi no sonho.
Seguidamente acrescentou:
—Dar-se-iam conta de que eu faz tempo, pu-lo a dormir em uma habitação especial, recomendando a um dos melhores assistentes que levasse sua cama à mesma habitação para que o tivesse sob sua vigilância, o assistente foi o clérigo João Cagliero.
E voltando-se para aludido, disse-lhe:
—No futuro não faças tantas observações ao que te diga Bosco. Compreende agora por que eu não queria que abandonasses a habitação em que estava aquele pobrezinho? Você me pediu isso insistentemente, mas eu não te atendia porque queria que Gurgo tivesse junto a si a alguém que velasse por ele. --- Se ele vivesse ainda, poderia dar testemunho das muitas vezes que lhe falei, como quem não quer a coisa, da morte e dos cuidados que lhe prodigalizei para prepará-lo a um feliz trânsito.
"Então —escreve Dom Cagliero— compreendi o motivo das especiais recomendações que me fez [São] João Dom Bosco e aprendi a conhecer e apreciar melhor a importância de suas palavras e de seus paternais avisos".
"A noite anterior à festa de Natal —narra Pedro Enría— ainda me recordo que [São] João Dom Bosco subiu à tribuna olhando a seu redor como se procurasse a alguém. E disse:
—É o primeiro jovem que morre no Oratório. Fez as coisas bem e esperamos que esteja já no Paraíso. Recomendo-lhes a todos que estejam sempre preparados... E não pôde prosseguir porque seu coração estava muito dolorido. A morte lhe tinha arrebatado um filho".
Tendo sido Gurgo o primeiro aluno que morria na casa da fundação do Oratório, São João Bosco quis lhe fazer um funeral solene, sem chegar ao máximo esplendor. Nesta ocasião o servo de Deus tratou com o pároco do Borgo Doura sobre os direitos paroquiais, se por acaso outros jovens fossem chamados à eternidade. Ele previa com certeza que aconteceriam outros falecimentos, aos quais aludia o sonho, embora não consta que os anunciasse aos alunos.
O pároco foi muito deferente com o Oratório ao estabelecer as condições para a condução de nossos defuntos, assinalando o custo das diferentes classes de funerais e concedendo grandes vantagens nos pagamentos, que eram feitos, não pelos pais dos falecidos, mas sim por São João Bosco.
Enquanto isso, durante as festas natalinas, São João Bosco recomendava insistentemente aos jovens internos e externos, que aplicassem pela alma do pobre Gurgo todas as comunhões que fizessem.
(M. B. Tomo V, págs. 377-378)

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