sábado, 15 de agosto de 2009

Um passeio no Paraíso — Parte 3 — 1861

Em efeito na noite do sábado 9 de abril, [São] João Dom Bosco continuava:
TERCEIRA PARTE
Não queria contar-lhes meus sonhos. Anteontem, logo que tive começado minha narração, arrependi-me da promessa que lhes fiz; e hoje teria desejado não ter dado princípio à exposição do que desejam saber. Mas tenho que dizer que se guardar silêncio, conservando meu segredo para mim, sofro muito, e, em troca, publicando-o, proporciono-me um desafogo que me faz muito bem. Portanto, prosseguirei o relato.
Mas antes tenho que advertir que nas noites precedentes tive que suprimir muitas coisas, das que não era conveniente falar-lhes, passando por cima outras, que se podem ver com os olhos, mas que não se podem expressar com palavras.
Depois de contemplar, pois, rapidamente, todas aquelas cenas já descritas; depois dê ter visto lugares diversos e as maneiras de ir ao inferno, nós queríamos a toda costa chegar ao Paraíso. Mas indo de uma parte a outra, desviamo-nos do caminho atraídos por outras coisas. Finalmente, depois de adivinhar o caminho que devíamos seguir, chegamos à praça em que tinha concentrada tanta gente, toda ela disposta a chegar à montanha; refiro-me àquela praça de tão colossais proporções que terminava em um passo estreito e difícil entre duas rochas que a atravessavam, logo que tinha saído à outra parte, devia passar uma ponte bastante larga, muito estreita e sem corrimão, debaixo da qual se abria um espantoso abismo.
— Oh! Lá está o caminho que conduz ao Paraíso — dissemo-nos —; aquele é. Vamos!
E nos dirigimos para ele. Alguns jovens começaram a correr nos deixando atrás. Eu tivesse querido que me esperassem, mas eles estavam empenhados em chegar antes que nós; mas ao chegar ao passo estreito se detiveram assustados sem atrever-se a seguir adiante. Eu lhes animava lhes incitando a passar:
— Adiante! Adiante! O que fazem?
— Sim, sim — me replicaram —; venham vocês e façam a prova. Estremece-nos a idéia de ter que passar um lugar tão estreito e depois ter que atravessar a ponte; se déssemos um passo em falso, cairíamos dentro daquelas águas turbulentas no fim do abismo e ninguém mais daria conosco.
Mas, finalmente, houve um que se decidiu a ser o primeiro em avançar, seguindo-lhe depois outro e assim, todos passamos do lado de lá, encontrando-nos ao pé da montanha. Dispostos a empreender a ascensão não encontramos atalho algum que nos facilitasse isso, e ao bordejar as encostas saíram-nos ao passo uma multidão de dificuldades e impedimentos. Umas vezes era uma série de maciços desordenadamente dispostos; outras, uma rocha que era necessário salvar; agora um precipício, já plantas espinhosas que se opunham a nosso passo. A ascensão se oferecia cada vez mais difícil, por isso demo-nos conta de que era grande a fadiga que nos aguardava. Apesar disso, não desanimamos, começando a escalada com a maior valentia. Depois de um curto espaço de penosa ascensão em que o mesmo tempo nos servíamos das mãos e dos pés, ajudando-nos reciprocamente, os obstáculos começaram a desaparecer e, ao fim encontramo-nos ante um atalho pelo qual conseguimos subir comodamente.
Quando eis aqui que chegamos a certo lugar da montanha na qual vimos numerosa gente que sofria de maneira horrível; grande fora nossa surpresa e compaixão ao observar tão estranho espetáculo. Não lhes posso dizer o que vi, porque lhes causaria uma pena muito intensa e, por outra parte, não seriam capazes de resistir minha descrição. Nada, pois, dir-lhes-ei sobre isto, prosseguindo adiante meu relato.
Enquanto isso vimos também a outras numerosas pessoas que subiam pelas ladeiras da montanha até chegar à cúpula, onde eram acolhidas pelos que as aguardavam com manifestações de júbilo e grandes aplausos. Ao mesmo tempo, ouvimos uma música verdadeiramente divina: um conjunto de vozes muito doces que modulavam muito suaves hinos. Isto nos animava mais e mais a continuar a ascensão. Enquanto prosseguíamos adiante eu pensava e dizia a meus jovens:
— Mas, nós que queremos chegar ao Paraíso estamos já mortos? Sempre ouvi dizer que antes é necessário ser julgado. E nós fomos julgados?
— Não — me responderam —. Nós estamos ainda vivos; incluso não fomos julgados. E ríamos ao fazer tais comentários.
— Seja como for — voltei a dizer —; vivos ou mortos prossigamos adiante para poder ver o que há lá ao alto; algo haverá.
E aceleramos a marcha.
À força de caminhar, chegamos por fim à cúpula da montanha. Os que estavam já no topo, preparavam-se a festejar nossa chegada, quando me voltei para trás para comprovar se estavam comigo todos os jovens; mas com grande dor pude constatar que me encontrava quase sozinho. De todos meus companheiros, só três ou quatro tinham permanecido junto a mim.
— E os outros?, — perguntei enquanto me detinha bastante contrariado.
— Oh! — disseram-me —; ficaram pelo caminho, quais em uma parte, quais em outra; mas talvez cheguem aqui.
Olhei para baixo e os vi esparzidos pela montanha, entretidos uns em procurar caracóis entre as pedras; outros, em fazer ramos de flores silvestres; estes, em agarrar frutas verdes; aqueles, em perseguir borboletas; alguns, em perseguir grilos; não faltando quem se tinha sentado a descansar sobre um matagal sob a sombra de uma árvore.
Então comecei a gritar com todas minhas forças, enquanto abanava os braços para atrair a atenção daqueles moços, chamando-lhes ao mesmo tempo a cada um por seu nome, incitando-lhes a que se apresassem, pois não era aquele o momento mais oportuno para deter-se.
Alguns atenderam a minhas indicações, chegando a oito os que se juntaram a mim, mas outros não me fizeram caso e continuaram ocupados naquelas bagatelas sem preocupar-se de momento por escalar a montanha. Eu não queria de maneira nenhuma chegar ao Paraíso com tão exígua companhia; por isso, resolvido a ir em busca dos remissos, disse aos que me acompanhavam:
— Vou descer em busca daqueles; vocês fiquem aqui.
Dito e feito. Aos encontrava em minha descida lhes ordenava prosseguir para cima. A uns fazia uma advertência, a outros uma amável recriminação; a este, dava-lhe uma reprimenda; àquele, uma palmada; ao outro, um empurrão.
— Sigam para acima, por caridade — dizia-lhes afanosamente—; não se detenham com essas bagatelas.
Desta maneira ao me encontrar de novo ao pé da montanha já tinha avisado a quase todos. Vi alguns que, cansados pela fadiga da ascensão e desanimados pelo que ainda ficava por escalar, haviam resolvido voltar para baixo. Por minha parte, determinei empreender de novo a ascensão para me reunir aos jovens que tinham ficado no topo, mas tropecei com uma pedra e despertei.
"Já tendes o relato do sonho feito. Só desejo de Vós duas coisas. Volto-lhes a repetir que não contem fora de casa a nenhuma pessoa estranha, nada de quanto lhes tenho dito, pois se alguém do mundo ouvisse estas coisas, talvez daria risada. Eu se as conto é para fazê-los passar um momento agradável. Comentem, pois, o sonho entre Vós o quanto queiram, mas desejo que não lhe dêem mais importância que a que se pode dar aos sonhos. Além disso, quero recomendar-lhes outra coisa e é que nenhum venha a me perguntar se estava ou não estava, quem era ou quem não era; que fazia ou o que deixava de fazer, se se achava entre os poucos ou entre os muitos, que lugar ocupava, etc., etc.; porque seria repetir a música deste inverno. Ao responder a tantas perguntas poderia ser para alguns mais prejudiciais que úteis e eu não quero inquietar as consciências.
Somente lhes quero fazer presente que se o sonho não tivesse sido um sonho, a não ser uma realidade e na verdade tivéssemos tido que morrer então, entre tantos jovens como estão aqui reunidos, se nos tivéssemos dirigido ao Paraíso só um número insignificante teria chegado à meta. De setecentos ou talvez de oitocentos, possivelmente três ou quatro. Mas, não se alarmem; entendamo-nos. Explicar-lhes-ei esta exorbitante desproporção: Quero dizer que só três ou quatro teriam chegado diretamente ao Paraíso sem passar algum tempo pelas chamas do Purgatório. Alguns permaneceriam em este lugar de expiação alguns minutos, outros talvez um dia, outros vários dias ou várias semanas; em resumo, que quase todos tinham que passar um período mais ou menos comprido ali.
Querem saber o que é o que terão que fazer para evitar o Purgatório? Procurem ganhar todas as indulgências que possam. Se praticarem aquelas devoções às que tem indulgências, depois de cumprir os requisitos delas; se ganharem indulgências plenárias, irão diretamente ao Paraíso".
(São) João Dom Bosco não deu deste sonho explicação alguma pessoal e prática a cada um dos alunos, como em outras ocasiões; fazendo muito contadas reflexões sobre as distintas cenas presenciadas no mesmo. Não era coisa fácil fazê-lo.
Eis aqui as elucidações que deste sonho faz Dom Lemoyne como fruto de suas próprias reflexões e servindo-se às vezes das mesmas palavras de (São) João Dom Bosco.
1. - A colina que (São) João Dom Bosco encontra ao princípio parece que representa o Oratório. Prevalece nela uma vegetação jovem. Não existem árvores idosas de tronco alto e grosso. Em todas as estações se recolhem flores e frutos; o mesmo acontecerá no Oratório. Este, como todas as obras de Deus, mantém-se da beneficência, da qual diz o Eclesiástico no Capítulo XL, que é como um jardim bento por Deus que dá preciosos frutos; frutos de imortalidade, semelhante ao Paraíso terrestre, e entre outras árvores estava a árvore da vida.
2. - Quem sobe à montanha é o homem ditoso descrito no Salmo LXXXIII, cuja fortaleza radica toda no Senhor. Apesar de encontrar-se nesta terra, neste vale de lágrimas, ascensões in corde suo disposuit, está disposto a subir continuamente até chegar ao tabernáculo do Altíssimo ou seja, ao Céu. E em sua companhia outros muitos. E o legislador Jesucristo lhe benzerá, encher-lhe-á de bens celestiales, e irá de virtude em virtude e chegará a ver Deus na bem-aventurada Sión e será eternamente feliz.
3. - As lagoas são como o compêndio da história da Igreja. Aqueles membros inumeráveis que se viam esquartejados às bordas dos mesmos pertencem aos perseguidores da Igreja, aos hereges, aos cismáticos e aos cristãos rebeldes.
De certas palavras do sonho se deduz que (São) João Dom Bosco tinha visto alguns acontecimentos pressente e futuros.
"A uns quantos, em privado — diz a crônica — ao falar-lhes o (Santo) daquele vale vazio que estava do lado oposto do lago de sangue, disse-lhes. Esse vale se tem que encher especialmente do sangue dos sacerdotes e pode ser que muito em breve".
"Estes dias — continua o cronista — (São) João Dom Bosco foi a visitar cardeal De Angelis. Sua Eminência disse-lhe:
— Me conte algo que me cause alegria.
— Contar-lhe-ei um sonho, — replicou-lhe (São) João Dom Bosco —.
— Escutar-lhe-ei com supremo gosto.
O (Santo) começou a narrar o que anteriormente havemos descrito mas com maior número de detalhes e considerações; mas ao chegar à descrição do lago de sangue, o Cardeal tornou-se sério e melancólico. Então (São) João Dom Bosco interrompeu o relato dizendo:
— Aqui termino!
— Prossiga, prossiga, — disse-lhe o Cardeal —.
— Basta, já basta — concluiu (São) João Dom Bosco — e prosseguiu falando de coisas amenas.
A cena que representa o passo muito estreito entre as duas rochas a ponte de madeira, símbolo da Cruz do Jesucristo, a segurança de passar à outra parte em quem está sustentado pela fé, o perigo de cair no precipício ao avançar sem retidão de intenção, os obstáculos de toda sorte até chegar ao lugar em que o atalho se faz mais viável; tudo isto, se não estivermos em um engano, refere-se às vocações religiosas.
Os que estavam no lugar deviam ser jovenzinhos chamados Por Deus a servir-lhe na Sociedade Salesiana. Em efeito, faz-se constar que a gente que estava esperando o momento de entrar pelo atalho que conduzia ao Paraíso, estava contente, parecia feliz e se divertia: características todas aplicáveis de uma maneira especial à juventude. Acrescentemos que ao subir à montanha, uns se detinham e outros voltavam atrás. Não representa isto o esfriamento na própria vocação? (São) João Dom Bosco deu a esta parte do sonho um significado que indiretamente podia aplicar-se à vocação, mas não acreditou oportuno falar mais explicitamente disso.
5. - Na montanha, logo que vencidos os obstáculos que se havia na sua encosta, o servo de Deus viu uma multidão vítima do sofrimento.
"Alguns lhe perguntaram privadamente — escreve Dom Bonetti — e ele respondeu-lhes: este lugar representa o Purgatório. Se tivesse que fazer uma conversa sobre dito tema, não faria outra coisa que descrever o que vi".
Acrescentemos uma última e importante observação, aplicável a este sonho e a todos outros. Nestes sonhos ou visões, se assim os podemos chamar, entra quase sempre em cena um personagem misterioso que faz de guia e de intérprete.
— Quem poderá ser?
Eis aqui a parte mais surpreendente e bela destes sonhos que (São) João Dom Bosco, depois de narrá-los, conservava no segredo de seu coração.
(M. B. Tomo VI, págs. 864-878)

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