sábado, 15 de agosto de 2009

As videiras — 1847

Em 1864, uma noite, depois das orações, Dom Bosco reunia em sua habitação para lhes dar uma conferência, conforme era seu costume, aos jovens que integravam a Congregação, entre os quais se achavam Dom Victorio Alasonatti, [Beato] Miguel Rúa, Dom João Cagliero, Dom Celestino Durando, Dom José Lazzero e Dom Julho Barberis. Depois de lhes haver falado do desapego das coisas do mundo e da família, para seguir o exemplo do Jesucristo, contou-lhes um sonho que tinha tido dezessete anos atrás. Hei aqui suas palavras:
"Contei-lhes já muitas coisas em forma de sonho das que podíamos deduzir o muito que a Santíssima Virgem nos ama e nos ajuda; mas, já que estamos reunidos aqui nós sozinhos, para que cada um dos presentes tenha a segurança de que é a Santíssima Virgem a que quer nossa Congregação e a fim de que nos animemos cada vez mais a trabalhar para a maior gloria de Deus, contarei não um sonho, mas o que a mesma Mãe de Deus me fez ver. Ela quer que ponhamos em sua bondade toda nossa confiança. Eu lhes falo como um pai a seus queridos filhos, mas desejo que guardem absoluta reserva sobre quanto lhes vou dizer e que nada comuniquem disto aos jovens do Oratório ou às pessoas de fora, para não dar motivos a más interpretações por parte dos mal-intencionados.
Um dia do ano 1847, depois de ter meditado eu muito sobre a maneira de fazer o bem, especialmente em proveito da juventude, me apareceu a Rainha dos Céus e conduziu-me a um belo jardim. Nele havia um rústico, mas ao mesmo tempo muito belo e amplo pórtico construído em forma de vestíbulo. Plantas trepadeiras adornavam e cobriam as pilastras, e seus grandes ramos, exuberantes de folhas e de flores, sobrepondo-as umas às outras, entrelaçavam-se ao mesmo tempo, formando um gracioso toldo. Este pórtico dava a uma bela passagem, e no meio dela se estendiam umas belas videiras, tendo aos lados maravilhosas roseiras em plena floração. Também o chão estava coberto de rosas. A Santíssima Virgem me disse:
—Caminha embaixo da videira; esse é o caminho que deves percorrer.
Descalcei-me para não estragar aquelas flores.
Senti-me satisfeito de me haver descalçado, pois houvesse sentido ter que pisar em rosas tão formosas. E sem mais, comecei a caminhar; mas logo me dava conta de que aquelas rosas ocultavam grandes espinhos; de forma que meus pés começaram a sangrar. Portanto, depois de ter dado alguns passos, vi-me obrigado a me deter e seguidamente a voltar atrás.
—Aqui é necessário levar o calçado posto, — disse a minha Guia.
—Certo! —respondeu-me— Necessitas um bom calçado.
Calcei, pois, e voltei a empreender o caminho com alguns companheiros, os quais tinham aparecido naquele momento, pedindo para acompanhar-me. Eles seguiram atrás de mim sob a videira, que era de uma formosura inexprimível; mas, conforme avançava, parecia-me mais estreita e mais baixa. Muitos ramos descendiam do alto e subiam como vergões; outras avançavam eretas para o atalho. Dos troncos das roseiras saíam alguns ramos para cá e acolá horizontalmente; outras formavam uns densos tufos, invadindo grande parte do caminho; outras cresciam em distintas direções a pouca altura do chão. Todas, entretanto, estavam coalhadas de rosas; eu não via mais que rosas aos lados, rosas em cima de mim, rosas diante de meus passos.
Enquanto isso sentia agudos dores nos pés e fazia algumas contorções com o corpo ao tocar as rosas de uma e outra parte, comprovando que entre elas se escondiam espinhos ainda maiores. Contudo, prossegui adiante. Minhas pernas se enredavam nos ramos tendidos pelo chão produzindo dolorosas feridas; ao tentar apartar um ramo atravessado no caminho ou ao me agachar para passar por debaixo de alguma outra, sentia as pontadas dos espinhos, não só nas mãos, mas também em todos os meus membros. As rosas que via por cima de mim, também ocultavam uma grande quantidade de espinhos que se cravavam na cabeça. Apesar disso, animado pela Santíssima Virgem prossegui meu caminho. De vez em quando experimentava ferroadas ainda mais intensas e penetrantes que me produziam uma dor muito aguda.
Enquanto isso, todos aqueles, e eram muitíssimos, que me viam caminhar embaixo daquela videira, que diziam:
Oh! Vejam como [São] João Bosco caminha sempre entre rosas; ele segue adiante sem dificuldades; tudo lhe sai bem.
Mas os tais não viam os espinhos que rasgavam meus membros. Muitos clérigos, sacerdotes e seculares, por mim convidados, começaram a me seguir com urgência, atraídos pela beleza daquelas flores; mas quando se deram conta de que era necessário caminhar sobre grandes espinhos e que estes brotavam por toda parte, começaram a dizer gritando:
Enganaram-nos!
—Quem queira caminhar sem dificuldade alguma sobre as rosas — lhes dizia eu— volte atrás; os outros que me sigam.
Não poucos voltaram atrás. Depois de ter percorrido um bom trecho do caminho, voltei-me para observar meus companheiros. Mas qual não seria minha dor, ao ver que uma grande parte deles tinha desaparecido e outra parte, me voltando as costas, afastava-se de mi. Imediatamente voltei atrás para chamá-los, mas tudo foi inútil, pois nem sequer me escutavam. Então comecei a chorar desconsoladamente e a me recriminar dizendo:
—É possível que tenha que percorrer eu sozinho este caminho tão difícil?
Mas logo me senti consolado. Vi avançar para mim um numeroso grupo de sacerdotes, de clérigos e de pessoas seculares, os quais me disseram:
—Aqui nos tem; somos todos teus e estamos dispostos a te seguir.
Pondo-me então à frente deles reiniciei o caminho. Somente alguns se desanimaram, detendo-se, mas a maioria chegou comigo à meta.
Depois de ter percorrido a videira em toda sua longitude, encontrei-me em um novo e muito ameno jardim, rodeado de todos meus seguidores. Todos estavam macilentos, desgrenhados, cheios de sangue. Então se levantou uma suave brisa e em instantes todos sanaram. Soprou novamente outro vento e, como por encanto, encontrei-me rodeado de um imenso número de jovens e de clérigos, de ajudantes e de sacerdotes, que começaram a trabalhar comigo guiando a aquela juventude. A alguns não os conhecia, outras fisionomias, entretanto, eram-me familiares.
Enquanto isso, tendo chegado a uma paragem elevada do jardim, encontrei-me com um edifício colossal, surpreendente por sua magnificência artística, e ao cruzar a soleira penetrei em uma espaçosa sala tão rica, que nenhum palácio do mundo poderia conter outra igual. Estava completamente adornada com rosas muito fragrantes e sem espinhos, das quais emanava um aroma muito suave. Então, a Santíssima Virgem, que tinha sido minha Guia, perguntou-me:
—Sabes o que significa o que estás vendo agora e o que observastes antes?
—Não — respondi —, Vos rogo que me expliqueis isso.
Então Ela disse:
— O caminho por ti percorrido entre rosas e espinhos significa o cuidado com que tendes que atender à juventude; deves caminhar com o calçado da mortificação. Os espinhos que estavam à flor da terra representam os afetos sensíveis, as simpatias ou antipatias humanas que apartam ao educador de seu verdadeiro fim, que o ferem ou o detêm em sua missão, que lhe impedem de avançar e colher coroas para a vida eterna. As rosas são símbolo da caridade ardente que deve ser teu distintivo e o de todos teus seguidores. Os outros espinhos são os obstáculos, os sofrimentos, os desgostos que terão que suportar. Mas, não te desanimes. Com a caridade e com a mortificação superastes todas as dificuldades e chegastes às rosas sem espinhos.
Apenas a Mãe de Deus terminou de falar, voltei em mim e me encontrei em minha habitação".
Notável circunstância e muito digna de assinalar, de que São João Bosco não fala aqui de um simples sonho, mas sim de uma verdadeira e autêntica visão. Ao começar ao expressar-se, o servo de Deus diz categoricamente: "A fim de que nos animemos a trabalhar cada vez mais para a maior gloria de Deus, contarei não um sonho, mas o que a mesma Mãe de Deus me fez ver".

Terminando seu relato com as seguintes palavras:

"Apenas a Mãe de Deus teve terminado de falar, voltei em mim e me encontrei em minha habitação".

Tanto uma como outra expressão põem de manifesto que aqui se trata de uma verdadeira visão.
(M. B. Tomo III, págs. 32-37)

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