sábado, 15 de agosto de 2009

Grandes funerais na corte— 1854 - Parte II

Tinham passado uns cinco dias deste sonho e São João Bosco voltou sonhar a noite seguinte.
Pareceu-lhe estar em sua habitação sentado no seu escritório, escrevendo, quando ouviu o barulho dos cascos de um cavalo no pátio.
Ele vê que se abre a porta e que aparece o pajem com seu casaco vermelho e que, indo até o centro da habitação, detém-se e grita:
—Anuncio! Não grande funeral na Corte, mais grandes funerais na Corte!
E repetiu estas mesmas palavras duas vezes. Seguidamente se retirou apressadamente, fechando a porta atrás de si. São João Bosco desejava saber algo mais, queria interrogá-lo, pedir-lhe alguma explicação, para o qual se levantou da mesa e correu ao balcão vendo o emissário subir ao cavalo. Chamou-o, perguntou-lhe por que tinha vindo para lhe repetir o mesmo anúncio, mas este afastou-se gritando:
—Grandes funerais na Corte!
Ao amanhecer, o mesmo São João Bosco dirigiu ao rei outra carta, na qual lhe contava este segundo sonho e concluía advertindo à sua majestade que pensasse em conduzir-se de maneira a poder conjurar os graves castigos que se abatiam sobre a Casa Real, pedindo-lhe ao mesmo tempo que se opusesse à lei em questão.
De noite, depois do jantar, encontrando-se São João Bosco em meio dos clérigos, disse-lhes:
—Não sabem que tenho que lhes dizer um pouco mais estranho que o do outro dia?
E seguidamente lhes contou quanto tinha visto em sonhos a noite anterior. Então, os clérigos, sem poder dissimular sua estranheza, perguntaram-lhe o que significariam aqueles anúncios de morte. É de se supor a ansiedade geral, à espera de que se cumprissem estes vaticínios.
São João Bosco manifestou claramente ao clérigo Cagliero e a alguns outros, que se tratava das ameaças e castigos com que o Senhor daria a conhecer sua indignação contra aqueles que tinham conduzido males à sua Igreja e que se estavam preparando outros maiores.
Naqueles dias o servo de Deus mostrava-se pesaroso, ouviam-no exclamar freqüentemente:
—Esta lei atrairá sobre a Casa reinante grandes desgraças.
Todas estas coisas as manifestava aos seus, para induzi-los a rezar pelo Rei, rogando à misericórdia divina que impedisse a dispersão de tantos religiosos e a perda de tantas vocações.
Enquanto isso, o Rei tinha entregue aquelas cartas ao marquês Fassati, o qual depois de lê-las visitou o Oratório e disse a Dom Bosco;
—Oh! Parece-lhe esta uma bonita maneira de pôr em angústias a toda a Corte? O Rei está profundamente perturbado e impressionado, mas, sobre tudo, sua indignação não tem limites.
São João Bosco replicou-lhe:
—Mas, se o escrito nas cartas é certo? Sinto ter ocasionado este desgosto a meu soberano, mas, em resumidas contas, trata-se de seu bem e do bem da Igreja.
Os avisos dados por São João Bosco foram ignorados. Em 28 de novembro de 1854, o ministro Urbano Ratazzi apresentava aos deputados um projeto de lei para a supressão das Ordens religiosas. O ministro das Finanças, Camilo Cavour, estava disposto a que esta lei se aprovasse a todo transe. Estes senhores se apoiavam na idéia de que fora do (controle do) estado não há nem pode dar-se sociedade a ele superior e dele independente. Que o Estado o é tudo, e que, portanto, nenhum ente moral, nem sequer a Igreja Católica, pode existir sem o conhecimento e o consentimento da autoridade civil. Por isso, dito poder, ao não reconhecer à Igreja Católica o direito de domínio sobre os bens eclesiásticos e sobre as corporações religiosas, defendia que estas tinham que depender da autoridade civil devendo modificar-se sua forma de existência ou extinguir-se por vontade da mesma soberania e, portanto o Estado, herdeiro de toda personalidade civil que não tinha sucessão, transformar-se-ia no proprietário único e absoluto de todos seus bens.
Engano colossal, pois tais patrimônios, quando uma Congregação ou Ordem religiosa deixasse de existir por qualquer motivo, não ficavam sem dono, devendo ser devolvidos à Igreja de Jesucristo, representada pelo Supremo Pontífice, embora os adoradores do Estado se empenhassem em negá-lo.
A notícia da apresentação deste projeto de lei ocasionou uma muito viva dor aos bons católicos e a São João Bosco. Ora, para secundar a vontade do céu, tinha este admoestado reiteradamente ao soberano; proceder justo mas perigoso, cujas conseqüências podiam prever-se. Outra pessoa, por serena e resolvida que fosse, em meio de tantas adversidades, teria vivido necessariamente em um contínuo estado de inquietação.
São João Bosco, ao invés, permaneceu sempre imperturbável, encontrando o vigor necessário no Coração Sacratíssimo de Jesus e no auxílio de sua celestial Mãe.
Enquanto se discutia a iníqua lei contra os bens eclesiásticos, um doloroso acontecimento deveu interromper o trabalho dos deputados.
Em 5 de janeiro de 1855 a reina mãe Maria Teresa adoeceu de improviso e embora toda a noite esteve atormentada por uma grande sede, não quis beber para poder comungar no dia da Epifanía; mas não pôde levantar-se.
O Rei Vítor Manuel escrevia ao general Afonso la Marmora. "Minha mãe e minha esposa não fazem mais que me repetir que morrerão de desgosto por minha culpa".
A augusta doente morria em 12 de janeiro, pouco depois do meio-dia, à idade de cinqüenta e quatro anos. A Câmara, para manifestar ao rei seu pesar, suspendeu seus trabalhos.
Grande desgraça foi para o Piamonte a perda da Maria Teresa, que repartia diariamente entre os necessitados esmolas sem conta. O luto foi universal, como universais foram as orações que de todas partes se elevaram à sua memória.
Enquanto se fechava aquele féretro chegava às mãos do Rei outra carta misteriosa que dizia, sem nomear a ninguém: "Pessoa iluminada do alto tem dito: se a lei prosseguir adiante, novas desgraças acontecerão a sua família. Isto não é mais que o prelúdio dos males futuros Erunt mala super mala in domo tua. Se não voltardes atrás, abrirá um abismo que não poderás superar".
O soberano, depois de ler esta carta ficou apavorado, e preso da mais viva inquietação não achava repouso em nada.
Os solenes funerais pela alma da Maria Teresa se celebraram na manhã do 16, o féretro foi transportado a Superga sob uma temperatura extrema que fez adoecer a muitos soldados e também ao conde do Sangicsto, escudeiro da Rainha. Ainda não tinha retornado à Corte de render as últimas honras à mãe do Vítor Manuel, quando a família real foi chamada com urgência para que assistisse ao Viático da nora da defunta. A Rainha Maria Adelaida, ao sobrevir a morte da Maria Teresa estava no quarto dia do pos-parto, tendo dado felizmente a luz um menino. Ela, que tanto amava à Rainha mãe, sentiu uma tão viva dor ao inteirar-se de sua morte, que, atacada por uma metro-gastroenteritis, viu-se reduzida aos extremos. Às três da tarde se lhe administrou o Viático, que foi levado da Real Capela do Sudário. Uma multidão imensa ia a todos os templos para impetrar ao céu pela saúde da soberana. Todo o Piamonte associou-se à dor da família real cumprindo-se aquele dito de "que no Piamonte, as desventuras do Rei são as desgraças do povo". Mas no dia 20 foi administrada a Extrema-unção à doente, que entrou em agonia, expirando às seis da tarde no beijo do Senhor, à curta idade de trinta e três anos.
E não terminou aqui o luto da Casa da Sabóia. Na mesma tarde foi dado o Viático ao S. A. R. Dom Fernando, duque de Genova, doente desde fazia tempo; era o duque de Genova o único irmão do Rei Vítor Manuel. O soberano sentiu-se afligido por este acumulo de dores.
Nos dia 21, a Câmara de deputados se reunia às três da tarde, e ao comunicar-se o noticia da morte da Rainha, deliberou-se de observar treze dias de luto e a suspensão das reuniões por espaço de dez.
Os funerais da Maria Adelaida celebraram-se em 24 de janeiro, sendo conduzido o féretro a Superga.
Os clérigos do Oratório estavam aterrados ao comprovar como se realizavam de uma maneira tão fulminante as profecias de São João Bosco, e a impressão era tanto major quanto que formavam parte de cada um dos cortejos fúnebres das pessoas reais desaparecidas.
Circunstância particular; o frio era tão intenso que o grande mestre de cerimônias da Corte, ao ter transladado o féretro da Rainha Adelaida, permitiu ao clero usar casacos especiais e cobrir a cabeça.
Para o Oratório aqueles acontecimentos constituíam uma grande desgraça e os clérigos diziam a São João Bosco:
—Já se realizou seu sonho. Na verdade que foram grandes funerais, conforme anunciava o pajem! Não sabemos se a justiça divina estará já satisfeita.
São João Bosco, em efeito, devia conhecer muito mais do que tinha anunciado.
A condessa Felicita Crabosio-Anfossi —conta Dom Lemoyne— mandou-nos o seguinte testemunho por ela assinado: "Corria o ano de 1854 e roguei a [São] João Dom Bosco que aceitasse no Oratório a um irmão de leite de meu filho, que tinha ficado órfão de pais. [São] João Bosco o aceitou com a condição de que, estando eu na Corte como estava, apresentasse às soberanas para obter de sua caridade dois mil francos que o servo de Deus necessitava para poder pagar uma dívida urgente.
Eu lhe prometi fazê-lo, e em efeito, estava resolvida a cumprir minha promessa; mas, depois surgiram algumas dificuldades que me fizeram diferir as visitas às augustas senhoras, as quais, naquele tempo, ausentaram-se de Turim, vivendo em um imóvel do conde Cays da Giletta.
Tendo ido eu também ao campo, voltei para a cidade já muito avançado o outono e seguidamente fui entrevistar-me com [São] João Dom Bosco, o qual me disse imediatamente:
—aceitei a seu protegido, mas você não cumpriu ainda sua promessa; não falou com as soberanas de minha dívida com o padeiro.
—É certo — repliquei um pouco confusa—, mas tenha a segurança de que apenas as augustas senhoras estejam de retorno no Turim, não deixarei de cumprir o prometido.
Enquanto eu falava, [São] João Dom Bosco fazia com a cabeça um movimento como indicando que não, e com um sorriso um tanto triste, disse-me:
—Paciência! Podem acontecer tantas coisas que, ao melhor, a você não será possível falar mais com as soberanas.
—por que diz isso?
—Porque é assim; você não verá mais às rainhas.
Quinze dias depois, me encontrando na casa de uns nobres, soube a volta das soberanas ao Turim e que a Rainha Maria Teresa estava tão doente que lhe tinham administrado os Santos Sacramentos. Logo recebemos a notícia de seu falecimento. Oito dias mais tarde morria a jovem Rainha Maria Adelaida, ambas choradas e veneradas como duas soberanas santas.
Somente então recordei as palavras de [São] João Bosco, não duvidando de seu espírito verdadeiramente profético.
(Volume V, págs. 176-181)

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