sábado, 15 de agosto de 2009

A lanterna mágica — Parte 2 — 1861

Na noite de três de maio o (Santo) prosseguia seu relato.
Através daquele cristal pôde ver a vocação de cada um de seus alunos. Nesta ocasião foi conciso e categórico em suas palavras. Não deu nome algum, deixando para outra ocasião as perguntas que fez a seu guia e as explicações que ouviu de lábios deste em relação com certos símbolos e alegorias que tinham desfilado ante sua vista.
O clérigo Ruffino legou-nos alguns nomes servindo-se das confidências que lhe fizessem alguns dos mesmos jovens a quem (São) João Dom Bosco havia dito o que sobre eles tinha visto no sonho, deixando memória disso. Dita nota levava a data de 1861.
Nós entanto isso — continua Dom Lemoyne — para maior claridade na exposição e para evitar muitas repetições, formaremos um todo único, introduzindo no relato os nomes omitidos e as explicações que se seguem; mas estas, na maioria dos casos, não serão apresentadas em forma dialogada. Contudo seremos exatos, citando literalmente quanto escreveu o cronista.
(São) João Dom Bosco, pois, começou a dizer:
O desconhecido continuava junto ao aparelho da roda e da lente. Eu sentia-me muito contente por ter visto tantos jovenzinhos que deveriam viver conosco, quando foi dito:
— Queres contemplar algo mais formoso?
— Sim, sim, vejamos.
— Dá uma volta à roda!
Assim o fiz, olhando depois através da lente. Vi todos meus jovens divididos em numerosos grupos, algo distante os uns dos outros e ocupando uma ampla extensão. Para uma parte divisei um terreno semeado de legumes e hortaliças e coberto em parte de pastos, em cujas bordas cresciam algumas fileiras de videiras silvestres. Em dito campo, os jovens de um dos grupos trabalhavam a terra empregando enxadas, pás, garfos de duas pontas, picos e restelos. Estavam além disso divididos em equipes que tinham seus respectivos chefes. Presidia-lhes o Cavalheiro Oreglia da Sara Esteban, o qual distribuía entre eles ferramentas de trabalho de toda sorte e obrigava a trabalhar aos que não tinham vontade de fazê-lo. Ao longe e ao fundo daquele terreno, vi alguns jovens arrojando a semente à terra.
O segundo grupo encontrava-se na outra parte, em um extenso campo de trigo coberto de douradas espigas. Um comprido fosso servia de lindero entre este e outros campos cultivados que se viam em qualquer parte e cujos limites se perdiam no horizonte longínquo. Jovens trabalhavam nele dedicavam-se a recolher as colheitas, mas não todos realizavam o mesmo trabalho. Uns segavam e faziam grandes feixes; outros as amontoavam; quais espigavam, quem conduzia um carro; este debulhava, aquele arrumava as foices, o outro as distribuía, o de mais à frente tocava o violão. Asseguro-lhes que era um formoso espetáculo de surpreendente variedade.
Naquele campo, à sombra de árvores, viam-se numerosas mesas com o alimento necessário para toda aquela gente; e mais à frente, a pouca distância, um amplo e magnífico jardim cercado, de abundante sombra de maços das mais belas e variadas flores.
A separação entre os que lavravam a terra e os colhedores representava aos que abraçam o estado eclesiástico e aos que não seguem esta vocação. Eu, contudo, não entendia aquele mistério e voltando-me para meu guia, disse-lhe:
— O que significa isto? Quais são os que cavam?
— Ainda não o entendes?, — replicou-me —. Os que cavam são os que trabalham somente para si mesmos, isto é, os que não são chamados ao estado eclesiástico senão a serem leigos.
E então compreendi imediatamente que aqueles trabalhadores eram os artesãos, aos quais em seu estado, basta-lhes pensar na salvação da própria alma, sem que tenham especial obrigação de dedicar-se a outros.
— E os colhedores que se encontram na outra parte do campo? —, repliquei.
E logo soube que eram os chamados ao estado eclesiástico, de forma que agora saberia dizer quem se fará sacerdote e quem seguirá outra carreira.
Enquanto contemplava eu com verdadeira curiosidade aquele campo de trigo, vi que Provera distribuía as foices entre os colhedores, o que significava que poderia chegar a ser Reitor de um Seminário ou Diretor de uma Comunidade religiosa ou de uma casa de estudos ou algo mais. Tem que notar-se que não todos os que trabalhavam recebiam a foice de suas mãos, já que os que iam a ele eram somente os que formariam parte de nossa Congregação; outros a recebiam de outros distribuidores que não eram dos nossos, o que queria indicar que estes últimos se fariam sacerdotes, mas para dedicar-se ao Sagrado Ministério fora do Oratório. A foice é símbolo da palavra de Deus.
Provera não entregava a foice imediatamente a quem a pedia. A alguns ordenava que fossem antes a comer; e, em efeito, estes foram tomar um bocado aqui e lá: símbolo da piedade e do estudo.
Ao Santiago Rossi mandou que fosse tomar um bocado. Aqueles a quem lhes dava esta ordem se dirigiam a um bosquezinho onde estava o clérigo Durando muito ocupado, entre outras coisas, preparando as mesas para os colhedores e lhes dando de comer. Esta ocupação indicava aos destinados de uma maneira especial a promover a devoção ao Santíssimo Sacramento.
Mateo Calliano era o encarregado de dar de beber aos colhedores.
Costamagna apresentou-se também pedindo uma foice, mas Provera o mandou ao jardim por duas flores. O mesmo aconteceu ao Quattróccolo. Ao Rebuffo lhe ordenou que fosse por três flores, prometendo-se o em troca, que depois entregar-lhe-ia a foice. Também estava ali Olivero.
Enquanto isso os jovens se separaram por entre as espigas. Muitos estavam alinhados; outros, diante de um canteiro largo; alguns, junto a outro mais estreito. Dom Ciattino, pároco do Maretto, segava com a foice que lhe tinha entregue Provera. O mesmo faziam Francesia e Vibert, Perucati, Merlone, Momo, Garino, Iarach, os quais teriam que dedicar-se à salvação das almas mediante o ministério da predicación, se seguissem a sua vocação.
Quais segavam mais, quais menos. Bondioni trabalhava desesperadamente, mas nada violento pode ter de muita duração. Outros dirigiam as foices com todas suas forças, sem conseguir cortar a colheita. Vascheti empunhou uma foice e começou a segar até que se saiu fora do campo indo-se trabalhar a outra parte. A outros vários aconteceu o mesmo. Entre os que segavam havia muitos que não tinham a foice afiada; a algumas foices faltava-lhes a ponta. Alguns as tinham tão gastas que ao querer empregá-las destroçavam e danificavam a colheita.
A Domingo Ruffino lhe encarregou de segar um campo muito comprido; sua foice cortava muito bem, mas lhe faltava a ponta, símbolo da humildade: era o desejo de ocupar o grau mais elevado entre os iguais. Acudiu ao Francisco Cerrutti para que a arrumasse. Em efeito, vi o Cerrutti arrumando algumas foices; sinal de que devia inculcar nos corações ciência e piedade, o que queria dizer que seria mestre e pedagogo, por isso lhe via dirigir destramente o martelo. Golpear com esta ferramenta queria dizer dedicar-se ao ensino do clero. Provera apresentava-lhe as foices danificadas. Dom Ronchetti e outros recebiam as que precisavam ser afiadas, pois se dedicavam a isto. O ofício de afiar representava aos que se encarregavam de formar ao clero na piedade. Viale foi agarrar uma foice que não estava afiada, mas Provera lhe deu outra que acabava de ser passada pela pedra. Vi também a um ferreiro preparando as ferramentas de metal empregadas na agricultura: era Costanzo.
Enquanto todos se entregavam com ardor, cada um a seu trabalho, Fusero fazia os feixes, o que indicava a conservação das consciências na graça de Deus; mas, detalhando ainda mais e vendo nos feixes representados aos simples fiéis, não destinados ao estado religioso, subentendia-se que ocuparia no futuro um posto de instrutor dos clérigos.
Havia alguns que lhe ajudavam a atar os feixes e lembrava ter visto entre outros a Dom Turchi e ao Ghivarello. Isto representa aos destinados a pôr ordem nas consciências, especialmente mediante a prática do ministério da Confissão, entre os adeptos ou aspirantes ao estado eclesiástico.
Outros transportavam feixes em um carro, símbolo da graça de Deus. Os pecadores convertidos têm que montar neste carro para seguir a reta via da salvação, que tem como término o céu.
O carro começou a mover-se quando esteve completamente carregado de feixes. Atiravam dele, não os jovens, a não ser dois bois, símbolo da força ou esforço perseverante. Alguns foram conduzindo-o. diante de todos eles [Beato] Miguel Dom Rúa, que era o que guiava, o que quer dizer que sua missão seria dirigir as almas para o céu. Dom Savio seguia detrás com uma vassoura recolhendo as espigas e os feixes que caíam.
Pulverizados pelo campo estavam os espigadores, entre os quais João Bonetti e José Bongiovanni; isto é: os que atendiam aos pecadores obstinados. Bonetti especialmente está designado pelo Senhor para procurar a quantos escaparam da foice dos colhedores.
Fusero e Anfossi amontoavam feixes no campo, para que fossem debulhadas ao seu devido tempo: isto talvez queria dizer que ao seu devido tempo desempenhariam alguma catedra.
Outros, como Dom Alasonatti, atavam os feixes, representação dos que administram o dinheiro, vigiam para que se cumpram as regras; ensinam as orações e o canto sagrado, cooperando, em soma, moral e materialmente, a encaminhar às almas para a meta da salvação.
Um espaço de terreno estava preparado para debulhar os feixes nele. Dom João Cagliero, que se tinha dirigido ao jardim em busca de algumas flores, distribuía-as entre os companheiros e ele com um raminho na mão encaminhou-se ao redor da era para começar a tarefa. Este trabalho simboliza aos destinados Por Deus para a instrução dos fieis.
Ao longe divisavam-se algumas negras fumaças que levantavam sua novens ao céu. Era o efeito do trabalho dos que recolhiam os restolhos e tirando-os fora do campo semeado de espigas, amontoavam-nos e lhes prendiam fogo. Isto simboliza aos destinados a separar aos bons dos maus, trabalho reservado aos diretores de nossas futuras casas. Entre estes estavam Dom Francisco Cerrutti, Tamietti, Domingo Belmonte, Pablo Albera e outros que atualmente cursam seus primeiros estudos, sendo ainda muito jovens.
Todas as cenas anteriormente descritas desenvolviam-se ao mesmo tempo. Entre aquela multidão de jovens vi alguns que levavam umas tochas acesas para iluminar a outros apesar de que era pleno meio-dia. Eram os que tinham que servir de exemplo a outros operários do Evangelho, iluminando ao clero com sua conduta. Entre eles estava Pablo Albera, o qual, além de levar a tocha, tocava também o violão, indício de que indicaria o caminho a seguir aos sacerdotes animando-lhes ao cumprimento de sua missão. Aludia-se a algum outro cargo que ocuparia na Igreja.
Mas, em meio de tanto movimento, não todos os jovens ao alcance de minha vista se ocupavam de algum trabalho. Um deles tinha uma pistola na mão, isto é, tinha vocação de militar, mas ainda não se decidiu a segui-la.
Alguns outros, com as mãos na cintura, observavam aos colhedores, dispostos a seguir seu exemplo; outros pareciam indecisos, mas ao considerar a dureza do trabalho, não resolviam a empunhar a foice. Não faltavam tampouco quem acudia pressuroso à tarefa. Alguns, ao chegar o momento de ter que começar a segar, permaneciam ociosos; outros empunhavam a foice invertida, entre eles Molino: símbolo dos que fazem o contrário do que devem fazer. Muitíssimos afastavam-se para agarrar uvas silvestres, representando aos que perdem o tempo em coisas estranhas a seu ministério.

Enquanto eu contemplava o que acontecia no campo do trigo, vi um grupo de jovens cavando a terra; ofereciam um espetáculo singular. A maior parte daqueles moços trabalhava com singular interesse, mas tampouco faltavam os negligentes. Alguns dirigiam a enxada ao reverso; outros golpeavam a terra, mas a ferramenta não penetrava nela; não faltavam quem a cada cavada lhes saía o ferro da haste. A haste representa a retidão de intenção.
Observei então que alguns que atualmente são artesãos, estavam no campo dos que segavam, e, outros que agora são estudantes se encontravam entre os que cavavam a terra. Tentei tomar nota de quanto via, mas meu intérprete mostrava-me sempre o caderno e não me permitia escrever.
Ao mesmo tempo vi também a muitos jovens que estavam sem fazer nada, não sabiam resolver-se a ficar a segar ou a cavar a terra.
Os dois Dalmazzo, Primo Gânglio e Monasterolo com outros muitos, estavam olhando, mas já tinham tomado uma decisão.
Também me dava conta de que alguns, saindo do grupo dos cavadores, mostravam desejos de ir segar. Um correu ao campo de trigo tão decidido que não se preocupou antes de adquirir uma foice. Envergonhado daquele néscio proceder, voltou atrás para pedi-la. O que as distribuía não queria dar-lhe e o tal lhe urgia para recebe-la.
— Ainda não é tempo— respondeu-lhe o distribuidor.
— Sim que o é, dêem-me isso — Não; ve antes recolher das flores do jardim.
— Não; vê antes a pegar duas flores do jardim.
— Ah!, — exclamou o solicitante encolhendo-se de ombros —; irei pegar todas as flores que queira.
— Não, somente dois.
Dirigiu-se seguidamente ao jardim, mas ao chegar a ele deu-se conta de que não tinha perguntado que flores eram as que tinha que pegar, e apressou-se a retroceder ele caminho.
— Tem que cortar — disseram-lhe — a flor da caridade e a flor da humildade.
— Já as tenho.
— Isso é o que te diz tua presunção, mas em realidade não as tens.
E aquele jovem revolvia-se em um acesso de cólera e dava saltos impulsionado pela ira que lhe dominava.
— Não é este o momento mais oportuno par zangar-se dessa maneira — disse-lhe o distribuidor —, negando-se resolutamente a entregar-lhe a ferramenta que lhe tinha pedido. Ante tal atitude, o infeliz mordia-se os punhos de raiva.
Ao contemplar semelhante espetáculo, apartei a vista da lente através da qual tinha contemplado tantas coisas, sentindo-se cheio de emoção pelas aplicações morais que me tinha sugerido meu amigo. Quis rogar-lhe ainda que me desse algumas explicações mais e ele acrescentou:
— O campo semeado de trigo representa à Igreja: a colheita é o fruto da colheita; a foice é o símbolo dos meios empregados para conseguir dito fruto, sobre tudo a palavra de Deus; a foice sem ponta representa a falta de piedade, e sem fio a carência de humildade; sair do campo enquanto se ceifa, quer dizer abandonar o Oratório ou a Pia Sociedade.

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