sábado, 15 de agosto de 2009

Sobre o estado das consciências — Parte 2 — 1860

Ontem começamos a narrar este sonho sobre o estado das consciências dos jovens do Oratório e continuamos na narração feita pelo próprio São João Bosco aonde paramos ontem...
"Então me dispus a partir e distribuir aquelas bolachas e aquelas massas e amêndoas artisticamente confeccionadas. Mas [São] José Dom Cafasso se opôs dizendo:
— Calma, calma! Não todos os que estão aqui são dignos de degustar destes confeitos; não todos podem participar deles. E me indicou quais eram os indignos.
Entre estes nomeou em primeiro lugar aos que estavam cheios de chagas, os quais não se encontravam na sala com outros porque não tinham suas contas ajustadas. Depois me indicou os que, apesar de ter suas contas em ordem, tinham uma névoa diante dos olhos, ou o coração cheio de terra ou vazio das coisas do céu.
Eu disse imediatamente com ar de súplica:
— Deixem que dê um pouco a estes últimos; também são filhos meus muito queridos, quanto mais que há muita abundância de confeitos e não há perigo algum de que cheguem a faltar.
— Não, não — continuou dizendo —, só os que têm a boca sã podem degustar; os outros, não; não estão em condições de saborear tais doçuras; pois como têm a boca doente e cheia de amargura, as coisas doces lhes produziriam repugnância e, portanto, não as podem comer.
Resignei-me a fazer o que me dizia e seguidamente comecei a distribuir os doces só entre aqueles que me tinham sido indicados. Uma vez que tive repartido entre eles bolachas e amendoadas em abundância, comecei novamente a distribuição, dando a cada um uma boa quantidade. Asseguro-lhes que sentia grande complacência ao ver meus jovens comer com tanto gosto aquelas guloseimas. No rosto de cada um se refletia uma grande alegria; não pareciam os moços do Oratório; tão transfigurados estavam.
Os que permanecendo na sala sem degustar os doces, estavam em um canto da mesma, tristes e desgostosos. Cheio de compaixão para eles, dirigi-me novamente a [São] José Dom Cafasso e lhe roguei com insistência me permitisse distribuir também alguns doces entre estes, para que os pudessem provar.
—Não, não — replicou Dom Cafasso —, estes não podem comê-los. Façam primeiro que sanem de suas doenças e os poderão saborear também eles.
Eu olhava a aqueles pobrezinhos. Também observava aos muitos que tinham ficado fora cheios de melancolia e aos quais não lhes tinha dado nada. Reconheci-os a todos e para maior tortura minha dava-me conta de que alguns tinham o coração carcomido.
Continuei, pois, dizendo a [São] José Dom Cafasso:
— Me diga que remédio devo empregar; o que devo fazer para curar a estes meus filhinhos?
Novamente replicou-me:
— Reflita, engenhe-se que você sabe o que têm que fazer!
Então lhe pedi que me desse o "Aguinaldo" (presente) prometido para meus jovens.
— Bem — replicou —, o darei!
E adotando a atitude de uma pessoa que se dispõe a partir, disse três vezes em tom cada vez mais elevado:
— Estejam atentos, estejam atentos, estejam atentos!
E dizendo isto desapareceu com seus companheiros e se desvaneceu o sonho".
Sim em tudo isto há algo que possa ser útil às nossas almas — continuou [São] João Dom Bosco —, aproveitemo-lo. Não me agradaria contudo, que algum contasse algo fora de casa. Eu o referi a Vós porque são meus filhos, mas não quero que o dêem a conhecer a outros. Enquanto isso posso assegurar-lhes que tenho ainda um presente a cada um de Vós tal como lhes vi no sonho; e saberia dizer quem estava doente, quem não; quem comia, quem não. Agora não quero pôr-me a manifestar aqui em público o estado de cada um, mas sim o direi em particular a quem assim o deseje.
O "Aguinaldo" (presente) que lhes dou em geral a todos os do Oratório, é o seguinte: Freqüente e sincera confissão; freqüente e devota Comunhão.
Três reflexões sobre este sonho; primeiro Dom Bosco só conta um resumo de seus sonhos
Permita-nos escreve Dom Lemoyne — fazer três reflexões sobre este sonho.
A primeira empregando palavras de Dom Ruffino: "(São) João Dom Bosco — diz — conta somente o resumo de seus sonhos, o que se refere e interessa aos jovens, se tivesse querido narrar o sonho completo em cada circunstância, teria necessitado de um grosso volume. Todas as vezes que lhe perguntou prudentemente sobre algum de seus sonhos ou visões se obtiveram muito numerosas idéias novas e novos detalhes que duplicavam ou triplicavam a matéria. E inclusive, quando não era interrogado, em certas ocasiões deixava escapar palavras que indicavam seus conhecimentos sobre muitos acontecimentos futuros, de uma maneira confusa, sem saber dar mais explicações sobre os mesmos".
Estas palavras foram escritas por Dom Ruffino no dia de 30 de janeiro de 1861 e delas se infere que anteriormente (São) João Dom Bosco tinha narrado outros muitos sonhos, cujos textos originais se perderam, ou, ao menos, que os que esboçamos nos volumes precedentes, foram por ele desenvolvidos com muita amplitude e abundância de pensamentos e admoestações. Pelo resto, temos que fazer nossas estas afirmações, pois nós mesmos, mais de cem vezes ao escutar estes relatos de lábios de (São) João Dom Bosco, chegamos às mesmas conclusões.
Os dados revelados nos sonhos eram inspirados e não contados por outros
A segunda sugestão é de (Beato) Miguel Dom Rúa e refere-se à realidade dos conhecimentos que (São) João Dom Bosco adquiria durante tais sonhos, sobre o estado das consciências de seus jovens.
"Talvez algum — escreve — poderia supor que (São) João Dom Bosco, ao pôr de manifesto a conduta dos jovens e outras coisas ocultas, pudesse servir-se de revelações feitas pelos mesmos jovens ou pelos assistentes. Eu, em troca, posso assegurar com toda certeza que jamais, nos muitos anos que vivi a seu lado, que nem eu, nem nenhum de meus companheiros pudemos nos dar conta de tal coisa. Por outra parte, sendo nós então jovens e estando em meio dos jovens, ao cabo de breve tempo poderíamos ter descoberto com muita facilidade que o (Santo) fazia uso de confidências feitas por algum da casa, já que os moços dificilmente sabem guardar um segredo.
Era tão comum entre nós a persuasão de que (São) João Dom Bosco nos lia os pecados na frente, que quando algum cometia uma falta procurava evitar o encontro com ele, até depois de haver-se confessado; e isto acontecia muito mais freqüentemente depois da narração de um sonho. Tal persuasão nascia nos alunos do fato que indo-se confessar com ele, embora se tratasse de jovens que lhe eram desconhecidos, encontrava neles e punha de manifesto culpas nas que não tinham reparado ou que pretendiam ocultar.
Fatos narrados impossíveis de conhecer apenas com meios humanos
Finalmente farei observar que além disso, do estado das consciências, (São) João Dom Bosco anunciava nos sonhos coisas que era impossível conhecer naturalmente com apenas os meios humanos; por exemplo, a predição de algumas mortes e outros feitos futuros. Por minha parte, à medida que avançava em idade, ao considerar estes fatos e revelações de (São) João Dom Bosco, quanto mais me convencia de que esteve dotado pelo Senhor do espírito de profecia.
A terceira reflexão é a nossa — diz Dom Lemoyne — e é que deste sonho se deduz que (São) José Dom Cafasso fazia o papel de juiz de todo o referente à religião e à moralidade; Silvio Pellico opinava sobre a diligência no cumprimento dos deveres escolásticos e profissionais, e o Conde Cays, sobre obediência e disciplina.
Nos doces nos parece descobrir o alimento daqueles que começam a andar pelos caminhos do Senhor, e na massa de amêndoas aos que estão já em via de maior perfeição. De uns e de outros se poderia dizer com o Salmista: "Alimentou-os com o melhor dos trigos e os saciou com o mel que saía da pedra".
O sonho que acabamos de oferecer aos leitores está tirado da Crônica de Dom Ruffino e das Memórias pessoais de Dom Bonetti. Causa verdadeiro estupor — continua Dom Lemoyne — o comprovar os efeitos produzidos nos alunos de (São) João Dom Bosco durante meses e meses, pelo sonho que acabamos de transcrever".
Dom Ruffino e Dom Bonetti conservaram lembrança disso em suas respectivas Memórias, as quais se complementam reciprocamente. Sua leitura reflete o que aconteceu então no Oratório no terreno espiritual; as lutas contínuas mantidas entre a virtude e o vício, entre o espírito de Deus e o espírito das trevas; o acontecer-se alterno no campo das almas, das vitórias e das derrotas, das quedas e do ressurgir das mesmas; do trabalho de um sacerdote dotado de um zelo ardente e que sustentado por uma luz especial e por uma energia divina, em meio daquelas formidáveis e misteriosas batalhas, infunde valor e força a quem luta varonilmente, socorre aos vencidos e afasta ao inimigo obstinado.
Eis aqui ou que diz a Crônica do Bonetti em dia de 1 de janeiro de 1861.
"(São) João Dom Bosco não podia tirar-se aos jovens de cima. Um queria que lhe dissesse se se encontrava entre os doentes; o outro, se lhe tinha visto com o coração cheio de terra; um terceiro, se suas contas estavam como deveria ser ou se se encontrava no número daqueles que comiam as bolachas e as massas de amêndoa. Ele como pai amoroso, desejoso de agradar a todos, passou quase todo o dia atendendo aos que, um após o outro, foram perguntar-lhe confidencialmente a estado da própria alma. E o (Santo) indicava-lhes o lugar que ocupavam em seu sonho lhes dando um "Aguinaldo" particular. O que deu ao clérigo João Bonetti, foi o seguinte: "Quaere anima, et dabis animam tuam Domino" Quanto bem produzira este sonho entre os jovens não se pode calcular! Baste saber que inclusive àqueles que, até então, não tinham trocado de maneira de pensar, nem se tinham deixado influenciar pelos bons exemplos dos companheiros, nem pelos saudáveis avisos e conselhos dos superiores, nem por vários turnos de exercícios espirituais, para ouvir este sonho não puderam resistir mais, e todos foram com empenho a fazer sua confissão geral com o mesmo (São) João Dom Bosco, o qual sentia seu coração alagado de alegria ao comprovar como o Senhor favorecia daquela maneira seus queridos filhos.
Nesta ocasião, levado do desejo de que todos os jovenzinhos se aproveitassem daquele favor do céu, disse-nos tais coisas, que não ficou lugar a dúvida de que aquele sonho misterioso era um dos que o Senhor estava acostumado a infundir de vez em quando às almas escolhidas".
E continua a Crônica de Dom Bonetti na data de 10 de janeiro.
"No dia de hoje um novo acontecimento veio a firmar nos jovens em sua crença de que com aquele sonho misterioso, o Senhor quis revelar a (São) João Dom Bosco o estado das consciências de seus filhos.
Eis aqui uma prova contundente disso: "Um jovem tinha calado várias vezes um pecado na confissão. Nestes dias de saúde, atormentado pelo pensamento do estado lamentável de sua alma, determinou fazer uma confissão geral, e para isso se apresentou a Dom Picco o qual, precisamente naqueles dias começava a ir ao Oratório para ajudar a (São) João Dom Bosco nas confissões dos jovens. E o moço em questão fez uma confissão de toda sua vida passada, mas ao chegar a aquele pecado que tinha calado já várias vezes, não se atreveu a confessá-lo e o calou novamente. Nesta manhã, ao baixar (São) João Dom Bosco de sua habitação para ir à sacristia, encontrou-se na escada ao pobre jovem e lhe disse:
— Quando deverás fazer tua confissão geral?
— Já a tenho feito — lhe respondeu —.
— Não me digas!, — replicou (São) João Dom Bosco —.
— Sim, a fiz anteontem com Dom Picco.
— Não, não tendes feito tua confissão geral. Então me diga: por que calaste tal pecado?
Para ouvir estas palavras, o jovem baixou a cabeça e se lhe encheram os olhos de lágrimas; depois começou a chorar desconsoladamente e tendo baixado à sacristia fez sua confissão da maneira mais consoladora".
O Clérigo João Cagliero, que tinha estado presente quando (São) João Dom Bosco relatava o sonho e era amigo de todos os alunos, falou com este aluno, o qual, embora a contra gosto, contou-lhe quanto (São) João Dom Bosco lhe havia dito.
O (Santo) jamais revelava a ninguém mais que ao interessado quanto sabia ou conhecia por meio dos sonhos; mas das mútuas confidências que se faziam quão jovens tinham sido objeto de sua deliciosa caridade, ficava sempre em claro que Deus falava por sua boca.
Continua no post de amanhã...

Nenhum comentário:

Postar um comentário