sábado, 15 de agosto de 2009

Um passeio no Paraíso — Parte 1 — 1861

Vamos proceder à narração de outro formoso sonho — escreve Dom Lemoyne — que teve (São) João Dom Bosco durante as datas do 3, 4 e 5 de abril do ano 1861.
"Várias circunstâncias que nele se admiram — comenta Dom Bonetti — convencerão plenamente ao leitor de que se trata de um desses sonhos que o Senhor sente prazer em infundir de vez em quando a seus fiéis servos.
Tanto Dom Bonetti como Dom Ruffino o descrevem minuciosamente tal e como nós o expomos seguidamente:
Na noite de 7 de abril de 1861, depois das orações (São) João Dom Bosco subiu à tribuna de onde estava acostumado a falar, para dizer uma boa palavra aos jovenzinhos e começou assim:
— Tenho algo muito curioso que lhes contar, trata-se de um sonho. Um sonho não é uma coisa real. O digo para que não lhe dêem maior importância da que merece, antes de começar minha narração devo lhes fazer algumas observações. Eu lhes conto todo, da mesma maneira que me agrada me digam todas suas coisas. Saibam que não tenho secretos para vocês, mas o que se diz aqui deve ficar entre nós. Não me atreveria a assegurar que se faça réu de pecado quem o conte a pessoas estranhas, mas é melhor que estas coisas não passem do portal do Oratório. Comentem-no entre vocês, riam, brinquem sobre quanto lhes vou dizer, quanto lhes agrade, mas só com aquelas pessoas que sejam de sua confiança e que creiam podem tirar disso algum proveito, se as considerarem convenientemente capacitadas para isso.
O sonho consta de três partes; tive-o durante três noites consecutivas; por isso, hoje lhes contarei uma parte e as outras duas nas noites seguintes. O que mais admiração produziu-me foi que reatei o sonho na segunda e terceira noite no ponto preciso em que tinha ficado a noite precedente ao despertar.
PRIMEIRA PARTE
Os sonhos têm-se dormindo, portanto, eu dormia ao começar a sonhar.
Alguns dias antes tinha estado fora do Turim, passando muito perto das colinas do Moncalieri. O espetáculo daquelas colinas que começavam a cobrir-se de verdor, ficou impresso na minha mente, e, portanto, bem pôde ser que as noites seguintes, ao dormir, a idéia daquele formoso espetáculo viesse de novo a impressionar minha fantasia e esta avivasse em mim o desejo de dar um passeio.
O certo é que, em sonhos, contemplei uma ampla e dilatada planície: ante meus olhos se levantava uma alta e extensa colina. Estávamos todos parados quando, de repente, fiz a meus jovens a seguinte proposta:
— Vamos dar um bom passeio?
— Mas aonde?
Olhamo-nos os uns aos outros; refletimos uns instantes e depois, não sei por que causa estranha algum começou a dizer:
— Vamos ao Paraíso?
— Sim, sim; vamos dar um passeio ao Paraíso — replicaram outros —.
— Bem, bem! Vamos!,— exclamaram todos a uma —.
Partindo da planície, depois de caminhar um pouco nos encontramos ao pé da colina. Ao começar a subir por um atalho, que admirável espetáculo! Sobre toda a extensão que podíamos abranger com a vista, a dilatada ladeira daquela colina estava coberta de belíssimas plantas de todas as espécies: frágeis e baixas, fortes e robustas, contudo, estas últimas não eram mais grosas que um braço. Havia parreiras, macieiras, cerejeiras, ameixeiras, videiras de variadísimos aspectos, etcétera, etcétera. O mais singular era que em cada uma das plantas viam-se flores que começavam a brotar e outras plenamente formadas e dotadas de muito belas cores; frutos pequenos e verdes e outros grossos e amadurecidos; de forma que naquelas plantas havia quanto de formoso produzem a primavera, o verão e o outono. A abundância de frutos era tal, que parecia que os ramos não poderiam resistir o peso.
Os jovens se aproximavam de mim cheios de curiosidade e me perguntavam a explicação daquele fenômeno, pois não entendiam a razão de semelhante milagre. Lembro que para lhes satisfazer um pouco lhes dava a seguinte resposta:
—Tenham presente que o Paraíso não é como nossa terra, onde cambiam as temperaturas e as estações. Têm que saber que aqui não há mudança alguma; a temperatura é sempre igual, muito suave, adaptada às exigências de cada planta. Por isso cada uma destas recolhe em si quanto de formoso e de bom há em cada estação do ano.
Ficamos, pois, completamente enlevados contemplando aquele jardim encantador. Soprava uma suave brisa; na atmosfera reinava a mais completa calma, percebia-se uma quietude, um ambiente de muito suaves perfumes que penetrava por todos nossos sentidos fazendo-nos compreender que estávamos gostando das delícias de todas aquelas frutas. Os jovens tiravam daqui uma pêra, de lá uma maçã, de acolá uma ameixa ou um cacho de uvas, enquanto que, ao mesmo tempo, seguíamos subindo todos juntos a colina.
Quando chegamos à cúpula achamos estar no Paraíso; mas estávamos bem distantes dele... Desde aquela elevação, e do outro lado havia uma grande planície ou esplanada que estava no centro de um extenso altiplano, divisava-se uma montanha tão alta que sua cúspide tocava às nuvens. Por ela ia subindo trabalhosamente, mas com grande celeridade, uma grande multidão de gente e no mais elevado estava Quem convidava aos que subiam a que continuassem sem desmaio a ascensão.
Víamos outros descender da cúpula ao mais baixo para ajudar aos que estavam já muito cansados, por ter escalado uma paragem difícil e escarpada. Os que, finalmente, chegavam à meta eram recebidos com grande júbilo, com extraordinário regozijo.
Todos nos demos conta de que o Paraíso estava lá e, nos encaminhando para o altiplano, prosseguimos depois em direção à montanha para tentar a ascensão. Já tínhamos percorrido uma boa parte de caminho, quando numerosos jovens, empreendendo uma veloz carreira, para chegar antes, adiantaram-se em muito à multidão de seus companheiros.
Mas, antes de chegar à base daquela montanha, vimos no altiplano um lago cheio de sangue, de uma extensão como do Oratório a Plaza Castelo. Ao redor deste lago, em sua borda, havia mãos, pés e braços cortados; pernas, crânios e membros esquartejados. Que horrível espetáculo! Parecia que naquela paragem se houvesse dado uma cruenta batalha.
Os jovens que se adiantaram correndo e que tinham sido os primeiros em chegar, estavam horrorizados. Eu, que me encontrava ainda muito longe e que de nada me tinha dado conta, ao observar seus gestos de estupor e que se detiveram com uma grande melancolia refletida em seus rostos, gritei-lhes:
— Por que essa tristeza? O que lhes acontece? Sigam adiante!
— Sim? O que sigamos adiante? Venha, deve ver — me responderam —.
Apressei o passo e pude contemplar aquele espetáculo.
Todos os jovens que acabavam de chegar e que pouco antes estavam tão alegres, ficaram silenciosos e cheios de melancolia.
Eu, enquanto isso, perto da praia do lago misterioso, observava a meu redor. Não era possível seguir adiante. De frente, na borda oposta, via-se escrito em grandes caracteres: "PER SANGUINEM".
Os jovens se perguntavam uns aos outros:
— O que é isto? O que quer dizer tudo isto?
Então perguntei a um, que agora não recordo quem era, o qual me disse:
— Aqui está o sangue vertido por tantos e tantos que alcançaram já a cúpula da montanha e que agora estão no Paraíso. Este é o sangue dos mártires! Aqui está o sangue de Jesuscristo, com a que foram orvalhados os corpos daqueles que deram testemunho da fé! Ninguém pode ir ao Paraíso sem passar por este lago e sem ser orvalhado com este sangue. Este sangue defensor da Santa Montanha representa à Igreja Católica. Todo aquele que tente assaltá-la morrerá vítima de sua loucura. Todas estas mãos e todos estes pés truncados, estas caveiras desfeitas, os membros cortados em pedaços que vêem disseminados pelas bordas, são os restos miseráveis de quantos inimigos quiseram combater contra a Igreja. Todos foram destroçados! Todos pereceram neste lago!
Aquele jovem, no curso de sua conversação, nomeou a numerosos mártires, entre os quais também aos soldados do Papa, cansados no campo de batalha por defender o poder temporário do Pontificado.
Dito isto, assinalando para nossa direita, neste direção, indicou-nos um imenso vale, quatro ou cinco vezes mais extenso que o vale de sangue e acrescentou:
— Vêem lá, aquele vale? Pois lá irá parar o sangue daqueles que seguindo este caminho escalarão a montanha; o sangue dos justos, dos que morrerão pela fé nos tempos vindouros.
Eu procurava animar a meus jovens, que não podiam dissimular o terror que os invadia ao ver e escutar aquelas coisas, lhes dizendo que se morríamos mártires, nosso sangue seria recolhido naquele vale, mas que nossos membros não seriam jogados nas bordas como os que tínhamos visto.
Enquanto isso, os moços se apressaram a ficar em marcha. Ladeando as bordas do lago, tínhamos a nossa esquerda a cúpula da colina que tínhamos cruzado e à direita o lago e a montanha. A certa distância, onde terminava o lago de sangue, havia uma paragem plantada de carvalhos, louros, palmeiras e outras plantas diversas. Introduzimo-nos nele para comprovar se era possível o acesso à montanha; mas, eis aqui que ante nossa vista se ofereceu outro novo espetáculo. Vimos outro lago enorme, cheio de água e nela uma grande quantidade de membros quebrados e esquartejados. Na borda se via escrito em caracteres cubitales: "PER AQUAM".
— O que é isto? Quem nos explicará o significado disto?
— Neste lago está — nos disse alguém — a água que brotou do costado de Jesuscristo; a qual foi pouca em quantidade, mas aumentou em forma considerável e segue aumentado e aumentará no futuro. Esta é a água do Santo Batismo, com a qual foram lavados e desencardidos os que escalaram já esta montanha e com a que deverão ser batizados e desencardidos os que têm que subir a ela no futuro. Nela terão que ser banhados todos aqueles que queiram ir ao Paraíso. Ao Paraíso se chega, ou por meio da inocência ou por meio da penitência. Ninguém pode salvar-se sem haver-se banhado nesta água.
Seguidamente, assinalando os restos humanos, prosseguiu:
— Esses membros pertencem a aqueles que atacaram à Igreja no tempo presente.
Seguidamente vimos muita gente e também a alguns de nossos jovens caminhando sobre as águas com uma celeridade extraordinária; com tal rapidez, que apenas se tocavam a superfície com a ponta dos pés e, quase sem molhar-se, chegavam à outra borda.
Nós contemplávamos atônitos aquele portento quando foi dito:
— Estes são os justos, porque a alma dos Santos, quando está separada do corpo e o mesmo corpo quando está glorificado, não só pode caminhar ligeira e velozmente sobre a água, mas também voar pelo mesmo ar.
Então, todos os jovens desejaram correr sobre as águas do lago, como aqueles aos quais tinham visto. Depois me olharam para me interrogar com o olhar, mas nenhum se atrevia a iniciar a marcha. Eu lhes disse:
—Por minha parte, não me atrevo; é uma temeridade acreditar-se tão justo para poder cruzar sobre essas águas sem afundar.
Então todos exclamaram:
— Se o Senhor não se atrever, muito menos nós!
Prosseguimos adiante, sempre girando ao redor da montanha, quando eis aqui que chegamos a um terceiro lago, amplo como o primeiro e cheio de fogo, no qual se viam partes de membros humanos despedaçados.
Na borda oposta se lia um pôster: "PER IGNEM".
— Aqui — disse-nos aquela pessoa — está o fogo da caridade de Deus e dos Santos; as chamas do amor e do desejo, pelas que devem passar os que não o fizeram pelo sangue e a água. Este é também o fogo com que foram atormentados e consumidos pelos tiranos, os corpos de tantos mártires. Muitos são os que tiveram que passar por aqui para chegar à cúpula da montanha. Estas chamas servirão também de suplício aos inimigos da Igreja.
Pela terceira vez víamos triturados aos inimigos do Senhor no campo de suas derrotas.
Apressamo-nos, pois, a seguir adiante e do lado oposto deste lago vimos outro a maneira de amplíssimo anfiteatro que oferecia um aspecto ainda mais horrível. Estava cheio de bestas ferozes, de lobos, ursos, tigres, leões, panteras, serpentes, cães, gatos e outros muitíssimos monstros que estavam com suas fauces abertas dispostos a devorar a quem se aproximasse. Vimos muita gente caminhando sobre suas cabeças. Alguns jovens começaram a correr sobre eles, passando sem temor sobre as cabeças daquelas feras sem sofrer o menor dano. Eu quis chamá-los e lhes gritava com todas minhas forças:
—Não! Por caridade! Detenham-se! Não prossigam! Não vêem como esses animais estão dispostos a destroçá-los e a devorá-los depois?
Mas minha voz não foi escutada e continuaram caminhando sobre os dentes e sobre as cabeças daqueles animais, como sobre o mais seguro dos caminhos.
O intérprete de sempre disse-me então:
— Estes animais são os demônios, os perigos e os laços do mundo. Os que passam impunemente sobre as cabeças das feras são as almas justas, os inocentes. Não recordas que está escrito: Super aspidem et basiliscum ambulabunt et conculcabunt leonem et draconem? A estas almas se referia o profeta São David. E no Evangelho lê-se: Ecce dedi vobis potestatem calcandi supra serpentes et scorpiones et super omnem virtutem inimici: et nihil vobis nocebit. (prezado leitor lamento como você que esteja em latim pois estes dizeres não consigo traduzir)
Então perguntamo-nos:
— Como faremos para passar ao lado de lá?
Teremos que caminhar também nós sobre essas horríveis cabeças?
— Sim, sim, vamos!, — disse-me um.
— Oh! Eu não me sinto com valor para fazê-lo — respondi —, seria uma presunção o supor-se tão justo para poder passar ilesos sobre as cabeças desses monstros ferozes. Vocês vão se querem; eu não vou.
E os jovens voltaram a exclamar:
— Ah, se o Senhor não se atrever, muito menos nós!
Afastamo-nos do lago das bestas e a pouco contemplamos uma extensa zona de terreno, ocupada por uma grande multidão. Parecia, ou era realidade que a alguns faltava o nariz, a outros as orelhas, alguns tinham a cabeça cortada; quais estavam sem braços; estes sem pernas, aqueles sem mãos ou sem pés. Uns não tinham língua e a outros tinham tirado os olhos. Os jovens estavam maravilhados de ver toda aquela pobre gente tão mal parada, quando aquele guia disse:
— Estes são os amigos de Deus; os que por salvar-se mortificaram seus sentidos: o ouvido, a vista, a língua, fazendo além muitas obras boas. Grande número deles perderam as partes do corpo de que se vêem privados, pelas grandes obras de penitência a que se entregaram ou pelo trabalho a que se deram em altares de amor a Deus ou ao próximo.
Os da cabeça cortada são os que se consagraram ao Senhor de uma maneira particular.
Enquanto considerávamos estas coisas, vimos uma grande multidão de pessoas, parte das quais tinham atravessado o lago e subiam a montanha ficando em contato com outros que, tendo chegado antes ao topo, descendiam para lhes dar a mão e lhes animavam a que subissem. Depois, estes últimos aplaudiam, exclamando:
—Bem! Bravo!
Para ouvir aquele ruído de aplausos e aquelas vozes, despertei e me dava conta de que estava na cama.
Esta é a primeira parte do sonho, isto é, o que sonhei na primeira noite.

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