sábado, 15 de agosto de 2009

A lanterna mágica (sonho da roda) — Parte 3 — 1861

A noite de quatro de maio (São) João Dom Bosco se dispunha a finalizar a narração do sonho no que tinha visto representados no primeiro grupo aos alunos estudantes do Oratório e no segundo aos que eram chamados ao estado eclesiástico.
Chegamos, pois, ao terceiro quadro ou visão em que, em aparições sucessivas (São) João Dom Bosco viu todos os que em 1861 deram seu nome à Pia Sociedade de São Francisco de Sales; o prodigioso engrandecimento da mesma e o lento ocaso dos primeiros salesianos aos que tinham que seguir os continuadores da Obra.
O servo de Deus naquela noite falou assim:
Depois de ter contemplado com prazer a cena da ceifa, tão rica em detalhes, o amável desconhecido disse-me:
— Agora dê-lhe dez voltas à roda; conta-as e depois olhe através da lente.
Pus-me a fazer o que me tinha sido ordenado e depois de ter dado a décima volta, pus-me a olhar na lente. E eis aqui que vi os mesmos jovens aos que recordava ter contemplado dias antes em idade adolescente, convertidos em adultos de aspecto viril; a outros com larga barba ou com os cabelos brancos.
— Mas como pode ser isto? Faz apenas pouco tempo aquele era um menino ao que quase lhe podia tomar em braços, e hoje é já tão maior?
O amigo respondeu-me:
— É natural; quantas voltas deste?
— Dez.
— Pois bem: do 61 aos 71. Todos têm já dez anos mais de idade.
— Ah! Compreendido!
E como continuasse observando através da lente pude ver panoramas desconhecidos, casas novas que nos pertenciam e a muitos jovens dirigidos por meus queridos filhos do Oratório, convertidos já em sacerdotes, em professores, em diretores, que dedicavam-se a instruir-lhes e proporcionar-lhes honestas diversões.
— Volta a dar outras dez voltas — disse-me o personagem— e chegaremos aos 1881. Tomei a alavanca e dei outras dez voltas. Olhei e somente vi a metade dos jovens que tinha contemplado a primeira vez, quase todos já com o cabelo branco e alguns um pouco encurvados.
— E os outros, onde estão? —, perguntei.
— Já formam parte do número dos mais — respondeu-me o guia.
Esta considerável diminuição do número de meus moços causou-me um vivo desassossego, mas consolou-me o contemplar em um quadro imenso, países novos e regiões desconhecidas e uma grande multidão de jovens sob a custódia e direção de novos professores que dependiam ainda de meus primeiros alunos.
Depois dava outras dez voltas à roda e eis aqui que somente vi uma quarta parte dos jovens que tinha contemplado poucos momentos antes; todos eles permutaram-se em anciões de barbas e cabelos brancos.
— E os outros? —, perguntei.
— Formam parte já do número dos mais. Estamos em 1891.
E eis aqui que ante minha vista desenvolveu-se uma cena comovedora.
Meus filhos sacerdotes, esgotados pela fadiga, estavam rodeados de meninos, aos quais eu não tinha visto nunca; muitos de fisionomia e de cor distinta dos que habitualmente vivem em nossos países.
Dava ainda outras dez voltas à roda e somente pude ver um terço de meus primitivos jovens, já decrépitos, carregados de costas, desfigurados, macilentos, nos últimos anos de sua vida. Entre outros, recordo-me ter visto o (Beato) Miguel Dom Rúa, tão velho e desfigurado que era difícil reconhecê-lo, tanto tinha mudado!
— E outros? —, perguntei.
— Pertencem já ao número dos mais. Estamos em 1901.
Em algumas casas não encontrei a nenhum dos antigos; professores e diretores me eram completamente desconhecidos; a multidão dos jovens era cada vez mais numerosa; as casas aumentavam cada vez mais e o pessoal diretor tinha crescido também de uma maneira admirável.
— Agora — continuou meu amável intérprete — darás outras dez voltas e verás coisas que te encherão de consolo as umas, e outras que te proporcionarão uma grande angustia.
E dava outras dez voltas.
— Estamos em 1911! —, exclamou o misterioso amigo.
— Ah, meus queridos jovens! Vi novas casas, jovens novos, diretores e professores com hábitos e costumes novos.
E meus jovens do Oratório do Turim? Procurei uma e outra vez entre uma grande multidão de moços e somente pude ver um de Vós com os cabelos brancos, consumido pela idade, rodeado de uma formosa coroa de jovens, aos quais contava os começos de nosso Oratório, recordando-lhes e repetindo-lhes as coisas aprendidas de lábios de (São) João Dom Bosco; e assinalava-lhes uma fotografia que estava pendurada da parede do locutório. E os outros alunos anciões, os superiores das casas que tinha visto já envelhecidos?
Depois de um novo sinal tomei o cabo e dava algumas voltas mais. Depois, somente vi uma planície desolada sem ser vivente algum:
— Oh!, — exclamei apavorado —. Já não vejo nenhum dos meus! Onde estão, pois, agora todos os jovens aos quais acolhi e que eram tão vivazes e robustos e os que se encontram atualmente comigo no Oratório?
— Pertencem já ao número dos mais. Tem que saber que aconteceram dez anos cada vez que fazia girar a roda outras tantas vezes.
Fiz a conta e resultou que tinham transcorrido cinqüenta anos e que ao redor do 1911 todos os alunos atuais do Oratório teriam morrido.
— Quer ver agora outro espetáculo surpreendente? — disse-me aquele bom homem.
— Sim — respondi-lhe.
— Então presta atenção se te agrada ver e saber algo mais. Dá uma volta à roda em sentido contrário, e agora conta tantas voltas quantas deste anteriormente.
A roda girou.
— Agora, olhe! —, disse-me o guia.
Olhei e eis aqui que vi ante mim uma quantidade imensa de jovenzinhos, todos desconhecidos, de uma infinita variedade de costumes, povos, fisionomias e línguas, de forma que por muito que me esforcei só pude apreciar uma mínima parte deles com seus superiores, diretores, professores e assistentes.
— A estes, em realidade, não os conheço — pinjente a meu guia.
— Pois apesar disso — respondeu-me —, são teus filhos. Escuta-os falam de ti e de seus primeiros filhos que foram seus superiores e que já não existem; recordam os ensinos que de ti e deles receberam.
Segui observando com atenção, mas quando apartei a vista da lente, a roda começou a girar por si só a tanta velocidade e fazendo tal ruído, que despertei, encontrando-me no leito preso de um cansaço mortal.
"Agora que contei estas coisas, Vós pensareis:
— Quem sabe! Ao melhor (São) João Dom Bosco é um homem extraordinário, um personagem, talvez um santo. Meus queridos jovens, para impedir que se suscitem conversações néscias em torno de minha pessoa, deixo-lhes em plena liberdade de acreditar ou não acreditar nestas coisas, de lhes dar mais ou menos importância; só os rogo que não tomem nada de quanto referi a risada ao comentá-lo, seja com os companheiros seja com pessoas de fora. Agrada-me dizer-lhes que o Senhor dispõe de muitos meios para manifestar aos homens sua vontade. Às vezes se serve dos instrumentos mais ineptos e indignos, como se serviu em outro tempo da burra do Balaán fazendo-a falar e do falso profeta do mesmo nome, que predisse muitas coisas referentes ao Messias.
Por isso, o mesmo pode acontecer comigo. Digo-lhes além que não se fixem em minhas obras para regular as suas. O que devem fazer é tomar em conta o que lhes digo, pois tenho a certeza de que dessa forma cumprirão a vontade de Deus e tudo redundará em proveito de suas almas. Em relação ao que faço, não digam nunca: Tem-no feito (São) João Dom Bosco e, portanto, está bem; não. Observem primeiro minhas ações, se virem que são boas, as imitem; se acaso me vêem fazer algo que não está bem, guardem-se muito de imitá-lo: desprezem-no como coisa mau feita".
O efeito que produziu no Oratório o relato deste sonho saberemos pelos que escutaram seu relato de lábios de Dom Bosco.
O cônego Jacinto Ballesio em sua obrinha: "Veta intima dava Dom Giovanni Bosco", acrescentando alguns detalhes omitidos pela crônica, escreve ao comentar o sonho precedente: "(São) João Dom Bosco era tudo para nós e inclusive durante o muito breve tempo que dedicava ao descanso, seu pensamento estava fixo em seus filhos. O poeta cantou que "sogna il guerrier o schiere"; (São) João Dom Bosco sonhava com seus jovens. Mas o que digo sonhar?, as de (São) João Dom Bosco eram visões celestiales. Ele as narrava como sonhos, mas eu e todos estávamos persuadidos de que se tratava de autênticas, de surpreendentes visões. Lembrança àquela em que viu os 400 moços do Oratório, estudantes e artesãos, em diversas atitudes e em circunstâncias diferentes, que representavam o estado moral de cada um. O (Santo) contou quanto tinha visto, durante várias noites consecutivas, depois das orações, e o fez com tal viveza de colorido e com tal força expressiva, que parecia um anúncio profético. A alguns os viu resplandecentes de luz; a outros, com a alma e o coração cheio de terra; a outros, assediados, acompanhados ou atacados por animais diversos, símbolo das tentações, das ocasiões perigosas e dos pecados. Este relato exposto por (São) João Dom Bosco com simplicidade, gravidade e afeto paterno, dando ao mesmo tempo muita importância ao que dizia, causou em todos a maior e mais saudável impressão. Todos os pressentes, um depois de outro, quiseram saber dos lábios do servo de Deus o que sobre cada um tinha visto, podendo comprovar com grande admiração que quanto o bom pai dizia-lhes adaptava-se perfeitamente a mais estrita realidade.
No Oratório foi tão grande o saudável efeito deste relato, conforme pôde-se apreciar pela conduta dos jovens, que maior bem não se teria podido esperar da mais frutífera das missões. Todas estas coisas extraordinárias se apenas as tivesse mencionado, não se podem atribuir a uma atenta observação da vida ordinária ou aos conhecimentos que o mesmo (São) João Dom Bosco tivesse podido solicitar das confidências que faziam-lhes jovens ou às relações com seus colaboradores. O (Santo) falava e obrava estas maravilhas de tal modo, que a nós, que já não eramos meninos; não nos ocorria outra explicação plausível ou razoável, mas sim que tratava-se de dons extraordinários que o céu lhe concedia. E referindo-nos simplesmente ao sonho ou visão que acabamos de indicar, como teria podido ver e recordar com tal exatidão o estado de cada um dos quatrocentos jovens, entre os quais achavam-se os que acabavam de ingressar no Oratório e outros muitos que não se confessavam com ele, os quais para ouvir de lábios do (Santo), a descrição viva e íntima de suas almas, de suas inclinações e paixões, de seus atos mais ocultos, reconheciam que lhes havia dito a verdade?"
Escreve Mons. Cagliero: "Eu me encontrava presente quando (São) João Dom Bosco, no ano 1861, contou o sonho da roda, no qual deu o futuro de nossa nascente Congregação. Narrava estes sonhos, porque havendo-se aconselhado com (São) José Dom Cafasso, este lhe havia dito que seguisse adiante tuta concientia (em consciência), em lhes dar importância, pois julgava que era para glória de Deus e bem das almas. Tal opinião soubemos de lábios de (São) João Dom Bosco seus amigos mais íntimos, pouco antes da morte de (São) José Dom Cafasso.
A atenção que emprestavam os jovens a suas palavras causava surpresa e impunha em grande maneira.
Enquanto isso (São) João Dom Bosco, fazendo ornamento de uma prodigiosa memória e de uma extraordinária lucidez mental, ao ser interrogado sobre o particular reservadamente, sabia indicar o nome do interessado e o ofício que no campo de trigo desempenhávamos muitíssimos de nós, dando ao mesmo tempo a oportuna explicação.
Empregou o (Santo) em contar este sonho três noites consecutivas, servindo seu relato para nossos comentários gerais e dando pé para freqüentes conversações entre os jovens do Oratório e nosso bom pai, ficando todos persuadidos de que nele tinha-lhe manifestado, não só o futuro do Oratório, mas também de toda a Congregação (Salesiana). (São) João Dom Bosco sentia prazer em repetir a seus íntimos as descrições do campo coberto de colheitas ondulantes, das diversas atitudes dos colhedores e dos que distribuíam as ferramentas.
Assegurava então que nossa Pia Sociedade, tão combatida e obstaculizada, passaria apesar de todas as probabilidades em contra e que contra o parecer de muitos, considerados como pessoas doutas e prudentes, subsistiria, progrediria grandemente alcançando um grande incremento; coisas todas que eu ouvi meus companheiros e repetidas vezes ao mesmo (Santo)."
Em relação aos três jovens que tinham o macaco sobre as costas, Dom Francisco Dalmazzo testemunhava com juramento: "Lembro muito bem que (São) João Dom Bosco, falando destes, acrescentava que se desejavam saber algo mais concreto, apressassem-se a entrevistar-se com ele. mais de cinqüenta moços do Oratório se apresentaram ao bom pai, temerosos de ter na consciência alguma coisa oculta; mas (São) João Dom Bosco disse a cada um deles:
— Não é você.
Havendo-se encontrado depois, casualmente, no pátio, em ocasiões distintas, com aqueles três infelizes, advertiu-lhes da realidade do desgraçado estado em que encontravam-se. Um deles era meu condiscípulo e me disse isso confidencialmente, manifestando-me sua admiração de que (São) João Dom Bosco pudesse conhecer aquelas coisas.
Por outra parte, eu também tive algumas provas pessoais sobre a facilidade com que (São) João Dom Bosco esquadrinhava os corações, pois repetidas vezes me revelou o estado de minha consciência sem que eu lhe tivesse perguntado nada. A mesma impressão tinham alguns de meus companheiros, os quais confessaram ingenuamente que, apesar de ter calado na confissão pecados graves, (São) João Dom Bosco tinha sabido lhes pôr de manifesto com toda precisão, o estado em que se encontravam."
Desde um dos quatro encadeados tivemos notícias pelo teólogo Borel.
Tendo ido dito teólogo em 1866 a exercer seu ministério aos cárceres, ao retornar ao Oratório trazia para (São) João Dom Bosco um encargo de parte do jovem Bec... ; condenado por desertor do exército. O prisioneiro pedia ao (Santo) "O jovem instruído" e ao mesmo tempo mandava-lhe dizer:
— Recorda que me disse que no sonho da roda me tinha visto encadeado? Certamente eu era um dos quatro; mas tenho que comunicar-lhe para seu consolo, que encontro-me na prisão, não por ter cometido um delito, mas sim por ter fugido do quartel por me ser insuportável a rigidez da vida militar.
(São) João Dom Bosco foi visitá-lo levando-lhe ao mesmo tempo o livro que lhe tinha pedido.
Além da prisão, o (Santo), depois daquele sonho, prognosticou-lhe que sofreria outras vicissitudes. Ao terminar seus estudos despediu-se do bom pai, dizendo-lhe que tinha intenção de entrar em uma Congregação religiosa.
— Fica conosco!, — aconselhou-lhe Dom Bosco, querendo-lhe induzir a formar parte da família do Oratório —. Não te afastes de mim; aqui terás o que desejas.
Mas o jovem estava resolvido a partir.
Se for assim, parte — concluiu o (Santo) —. Far-te-ás jesuíta, mas te mandarão a tua casa. Entrarás nos Capuchinos e não perseverarás. Finalmente, apressado pela fome e depois de várias peripécias, voltarás para o Oratório em demanda de uma parte de pão.
Tudo isto parecia pouco verossímil, pois o jovem em questão dispunha de um patrimônio de 60,000 liras e sua família era a mais acomodada do povo. Mas apesar de tudo, aconteceu ao pé da letra quanto (São) João Dom Bosco lhe havia predito.
Tendo entrado primeiro nos jesuítas e depois nos Capuchinos, não pôde adaptar-se às regras sendo despedido depois de um breve lapso de tempo. Gastou o dinheiro de que dispunha e depois de alguns anos apareceu no Oratório em um estado da mais extrema miséria. Foi amavelmente acolhido, permaneceu nele um ano e se voltou a partir, pois era muito amante da vida boêmia. O mesmo interessado contava o cumprimento desta profecia no ano de 1901.
Enquanto isso, clérigos e alunos tinham começado a assediar a (São) João Dom Bosco desde o quatro de maio, perguntando-lhe em que parte do campo lhes tinha visto, se entre os que cavavam ou entre os colhedores e a ocupação que desempenhavam. O bom pai satisfez a todos. Ao expor o sonho demos a conhecer algumas de suas respostas; não poucas delas, como se pôde constatar depois, foram verdadeiras predições.
(São) João Dom Bosco tinha visto clérigo Molino, ocioso, com a foice na mão, observando como trabalhavam outros; depois pôde apreciar como se aproximava do fosso que rodeava o campo e depois de saltá-lo e arrojar o chapéu, viu-lhe sair correndo. Molino pediu a (São) João Dom Bosco explicação de todo aquilo e escutou de seus lábios esta resposta:
— Você cursará, não cinco, a não ser seis anos de teologia e depois deixara a batina.
Molino ficou estupefato ao escutar estas palavras, que lhe pareceram estranhas e longe da realidade; mas os fatos comprovaram que (São) João Dom Bosco tinha razão. Esse jovem cursou quatro anos de teologia no Oratório e outros dois no Asti e depois de fazer os exercícios espirituais para a ordenação, tendo ido a São Damián do Asti, que era seu povo natal para passar somente um dia e pôr em claro certo assunto, deixou a batina e não voltou mais.
O clérigo Vaschetti era considerado com toda razão como uma das colunas do Colégio do Giaveno. Quando (São) João Dom Bosco lhe disse que o tinha visto sair do campo e saltar o fosso, respondeu-lhe com despeito:
— Vê-se que sonhou!
Em efeito, por então não pensava abandonar a (São) João Dom Bosco. Tendo saído do Oratório, pois era livre de fazê-lo, e como visitasse (São) João Dom Bosco sendo já jovem sacerdote, o servo de Deus recordou-lhe sua resposta brusca mas filial.
— Recordo-me, é certo? —, replicou Vaschetti.
E (São) João Dom Bosco:
— Era aqui no Oratório aonde Deus te chamava. Pelo resto espero que o Senhor te dará suas graças; mas terás que lutar.
E em efeito, Deus ajudou ao Vaschetti, o qual fez muito bem como pároco.
O clérigo Fagnano não queria perguntar a (São) João Dom Bosco o lugar que ocupava no sonho, bem por falta de visão, bem porque tendo chegado ao Oratório a poucos meses do Seminário do Asti, não acreditava muito naquelas revelações. Apressado, entretanto, pelos companheiros, aproximou-se do servo de Deus e lhe perguntou o que tinha visto através daquela lente relacionado com ele.
— Vi-te no campo, mas tão distante que apenas se te podia reconhecer. Estava trabalhando em meio de homens nus.
O clérigo Fagnano não deu muita importância a aquelas palavras, mas as recordou quando em um dia da María Auxiliadora se viu em uma praia no Estreito do Magalhães comendo moluscos durante dois dias e com o navio à vista que não se podia aproximar por causa da tempestade. E viu os homens nus da Terra do Fogo, lugar em que plantou a Cruz e levantou sua missão.
A Dom Angel Savio, (São) João Dom Bosco lhe assegurou que tinha-lhe visto em países muito longínquos.
Às perguntas de Domingo Belmonte, respondeu:
— Você dará glória a Deus com a música.
E seguidamente acrescentou uma palavra que causou no jovem profunda impressão; mas depois que afastou-se uns passos apagou-se por completo de sua memória, e, por muito que repensou, não voltou a recordá-la. (São) João Dom Bosco o tinha visto conduzindo um carro atirado por cinco mulos. O fruto de suas fadigas seria prodigioso. Professor e assistente general no Colégio do Mirabello, professor no do Atassio, primeiro prefeito e depois diretor no Borgo São Martinho; diretor e pároco na Sampierdarena, com todos estes cargos também desempenhou o de professor de música, contribuindo ao esplendor e decoro das funções religiosas. Finalmente, foi prefeito geral da Sociedade e diretor do Oratório do Turim, contando sempre com o afeto e a confiança dos irmãos e dos alunos.
(São) João Dom Bosco — lemos na Crônica — disse também ao Avanzino o ofício que desempenhava no sonho; depois acrescentou:
— Deus quer que faça isso.
Avanzino, que não manifestou a ninguém o ofício ou missão a que segundo o sonho estava destinado, porque não queria submeter-se a ela, dizia depois confidencialmente a alguns de seus íntimos:
— (São) João Dom Bosco me descobriu coisas que eu não havia dito a ninguém no mundo.
Ao Go... disse-lhe também (São) João Dom Bosco:
— Você é chamado ao estado eclesiástico, mas lhe faltam três virtudes: humildade, caridade, castidade.
Acrescentou que a foice não a proporcionaria Dom Provera.
O jovem Ferrari, que dizia querer abraçar o estado eclesiástico, não foi perguntar o futuro que lhe aguardava segundo o sonho; pelo contrário, seguia tomando-o a brincadeira apesar de que muitos lhe insistiam para que se apresentasse ao (Santo). Ao fim, encontrou-se em circunstâncias tais que não pôde evitar o encontro com (São) João Dom Bosco, o qual lhe disse que o tinha visto no campo de trigo e que a despeito daqueles que o tinham enviado a agarrar flores, começou a segar com entusiasmo, mas que ao final voltou a vista atrás e pôde comprovar que não tinha feito nada.
— O que quer dizer isto? —, perguntou então o jovem.
— Pois, quer dizer — replicou (São) João Dom Bosco — que se não trocar de estilo, isto é, se segue obrando segundo seu capricho, chegará a ser um sacerdote negligente ou um religioso despreocupado.
Mas os jovens do Oratório não se contentavam com as notícias dadas a cada um em particular. Desejavam ter mais amplas explicações do sonho, que resolvessem certas dificuldades que não tinham compreendido, que lhes satisfizesse plenamente a curiosidade que sentiam, coisas todas que lhes mantinha em certo estado de nervosismo.
Havia alguns dotados de grande engenho, inteligência e tão preparados que teriam posto em um grande apuro a outro que não tivesse estado tão seguro da realidade de seu relato, como o (Santo).
(São) João Dom Bosco, por sua parte, não temia cair em contradição e na noite de quatro de maio — diz a Crônica — falou dando faculdade a cada um dos alunos para que perguntassem quanto quisessem, pois ele mesmo desejava esclarecer algumas costure referentes ao sonho, que não tivessem entendido bem.
Na noite de cinco de maio muitos manifestaram suas dificuldades.
—Em primeiro lugar: o que representa a noite?, perguntaram alguns.
(São) João Dom Bosco respondeu:
—A noite representa a morte que se aproxima: Venit nox quando nemo potest operari, há dito Nosso Senhor.
Os jovens entenderam que estavam próximos os últimos dias do bom pai e, depois de uns minutos de penoso silêncio, requereram dele que lhes dissesse que meios tinham que pôr em prática para que aquela noite se afastasse o mais possível.
Há dois médios para consegui-lo — replicou (São) João Dom Bosco —. O primeiro seria não ter mais esta classe de sonhos, pois me arruínam extraordinariamente a saúde. E o segundo, que os empedernidos no mal não obrigassem em certa maneira ao Senhor a obrar de uma forma violenta para liberá-los do pecado.
— E os figos e as uvas, o que simbolizam?
— As uvas e os figos, que em parte estavam amadurecidos e em parte não, quer dizer que alguns feitos que precederam de noite se cumpriram já e que outros se cumprirão. A seu tempo direi quais são os fatos já cumpridos. Os figos indicam grandes acontecimentos que terão lugar muito em breve no Oratório. A este respeito teria muitas coisas que lhes dizer, mas não é conveniente que as comunique por agora, far-lo-ei mais adiante. Posso-lhes acrescentar que os figos, como símbolo dos jovens, podem significar também duas coisas: ou amadurecidos por haver-se devotado a Deus no sagrado ministério, ou amadurecidos para oferecer-se a Deus na eternidade.
Seja-nos permitido — comenta Dom Lemoyne — expor uma idéia nosso pessoal, ou seja, que entre os figos certamente haveria alguns amargos ao paladar, por isso (São) João Dom Bosco não os quis escolher embora se desculpasse de fazê-lo aduzindo um pretexto diferente.
Que o Vale do Valcappone representasse o Oratório nos parece muito lógico, pois nele teve origem, ou ao menos na região em que está encravado, a Obra de (São) João Dom Bosco. O mesmo representam o carro do irmão José que foi sempre um generoso benfeitor do servo de Deus e a roda com a lente através da qual o servo de Deus viu todo o anteriormente descrito.
Os alunos continuaram fazendo suas perguntas.
Prossegue Dom Ruffino:
— E os que tinham os macacos sobre as costas, o que quer dizer?
— Representa — respondeu (São) João Dom Bosco — o demônio da desonestidade (impureza). Este demônio, quando quer arrojar-se em cima de algum, não se apresenta por diante, mas sim pelas costas, isto é, oculta a fealdade do pecado, não a deixa ver, faz aparecer como coisa de nada. Estes macacos gigantescos apertam o pescoço de suas vítimas, afogando a palavra quando os tais desgraçados queriam confessar-se. Aqueles infelizes tinham-lhes olhos exagerados para indicar que, quem é vitima deste pecado, não pode ver as coisas do céu. Meus queridos jovens: Não esqueçam aquelas três palavras: Trabalho, suor, ardor, e poderão alcançar a mais completa vitória sobre todos os demônios que lhes devam tentar contra a virtude da modéstia.
— E que meios há para tirar o cadeado da boca?
(São) João Dom Bosco respondeu as mesmas palavras que lhe havia dito aquele amigo misterioso: Auferatur superbia de cordibus eorum (expulsar a soberba de seus corações).
Fizeram-lhe outras perguntas respeito o trabalho que cada um realizava, pedindo-lhe as correspondentes explicações:
— Que mais nos pode dizer sobre o campo de trigo?
— Os que no trabalham são os chamados ao estado eclesiástico; de forma que sei quem se fará sacerdote e quem não. Mas não pensem que os que estavam cavando eram os excluídos absolutamente do ministério. Oh, não! Vi alguns artesãos segar o trigo com outros. Aos tais os reconheci e os encaminharei a estudar. Algum outro ia agarrar a foice, mas o que as distribuía não a quis dar, porque lhe faltava alguma virtude. Se a adquirir, o Senhor chamar-lhe-á se não se fizer indigno da vocação. Mas, tanto os que cavavam como os que segavam, cumpriam a vontade de Deus e estavam no caminho da salvação.
— O que significavam os bocados de comida e as flores?
— Havia quem foi ao campo e desejavam segar, mas Provera não lhes queria proporcionar a ferramenta, porque não estavam ainda capacitados para trabalhar e, em troca, dizia-lhes:
— Te falta uma flor. Ou: faltam-lhe duas flores. Deve tomar ainda um par de bocados.
Estas flores simbolizavam, bem a virtude da caridade, bem a virtude da humildade, bem a pureza. Os bocados de alimento significam o estudo e a piedade. Para ouvir isto, os jovens foram agarrar as flores indicadas ou a comer os bocados que lhes haviam dito e depois voltavam em busca da foice.
Também perguntaram-lhe sobre as cenas que tinha visto cada vez que dava dez voltas à roda, relacionadas com o desenvolvimento da Pia Sociedade.
(São) João Dom Bosco respondeu:
— Um comprido intervalo de tempo separava a cada dez voltas da roda, para que eu pudesse examinar tranqüilamente todos os detalhes das cenas que se ofereciam a minha vista. Desde o começo, depois das primeiras voltas, contemplei à Congregação já formada e bem ordenada e a um bom número de irmãos e de jovens ocupando as distintas casas. Ao dar as voltas, apreciava vez por vez um novo espetáculo. Já não via muitos dos que tinha contemplado anteriormente; depois apareciam outros indivíduos para mim completamente desconhecidos, e os que uma vez visse jovens, via-os mais tarde velhos e decrépitos. O número dos moços crescia cada vez de uma maneira mais rápida e exagerada.
Os alunos recordaram-lhe também que o personagem do sonho lhe havia dito:
— Verás coisas que lhe servirão de consolo e outras que lhe encherão de angústia. Por isso perguntaram-lhe se a cada dez voltas tinha visto seus filhos na mesma condição, no mesmo ofício, seguindo uma mesma linha de conduta ou se tinham trocado a pior nas cenas sucessivas. (São) João Dom Bosco não quis dizê-lo; contudo, exclamou:
— Causa pena e enche a alma de desolação o ver as muitas vicissitudes a que a gente tem que submeter-se no curso da vida. Asseguro-lhes que se em minha juventude tivesse previsto as peripécias que teria tido que suportar de há alguns anos a esta parte, ter-me-ia deixado ganhar pelo desanimo.
Os alunos se mostravam também maravilhados pelo número de casas e colégios que o (Santo) assegurou teria no futuro, já que à presente só contava com o Oratório do Valdocco. Mas o bom pai repetia:
— Já verão, já verão!
(São) João Dom Bosco falava desta forma tão familiar a toda a comunidade, mas se reservou algumas coisas para as dizer somente a seus clérigos. Em efeito, manifestou-lhes que entre os que estavam trabalhando no campo de trigo, tinha visto dois que chegariam a ser bispos. Esta notícia estendeu-se pelo Oratório em um abrir e fechar de olhos. Os alunos começaram a fazer prognósticos, tentando adivinhar os nomes dos candidatos. (São) João Dom Bosco não tinha querido ser mais explícito, enquanto os moços passavam revista aos nomes de todos os clérigos. Ao fim ficaram de acordo em que o primeiro bispo seria o clérigo João Cagliero, e manifestaram suas suspeitas de que o segundo fosse Pablo Albera. Estas vozes correram pela casa durante muito tempo. Até aqui Dom Ruffino.
Nós, podemos acrescentar que ninguém pensou no estudante Santiago Costamagna, nem suspeitou o mais mínimo que lhe reservava o Senhor uma mitra.
(São) João Dom Bosco, enquanto isso — continua a Crônica — disse que poria a estudar a algums artesãos que tinha visto segando ou recolhendo espigas no campo, e, em efeito, desde o dia que contou o sonho o jovem artesão Craverio começou a estudar. Outro artesão, que era encadernador, passou também à seção dos estudantes.
O (Santo) não deu a conhecer seu nome.
O quarto foi um aluno que tinha entrado no Oratório como artesão e que estava aprendendo o ofício de alfaiate; a este o viu (São) João Dom Bosco no sonho arrancando a erva nociva. O mesmo jovem manifestou confidencialmente ao clérigo Ruffino que sua conduta passada tinha deixado algo que desejar, mas que em pouco tempo demonstrou tal espírito de piedade que foi proposto como modelo e viu-lhe praticar atos de virtude difíceis de esquecer, sobressaindo-se especialmente por sua profunda humildade. Estando entre os estudantes aconteceu por duas vezes que havendo outro jovem que levava o mesmo nome, na nota semanal do estudo, por engano do encarregado, recebeu um muito bom e um excelente (qualificações estudantis) . Quando se dão estas casos de equívoco, acontece quase sempre que os jovens, inclusive os melhores, reclamam contra a injustiça involuntária, e se não se lamentam, ao menos procuram fazer reconhecer sua inocência e a retificação da nota.
Mas nosso jovenzinho, sem alterar-se por nada, aos que lhe manifestavam sua estranheza, pois o engano tinha sido manifesto, induzindo-o, portanto, a reclamar, dizia-lhes simplesmente:
— Merecer-me-ei isso!
E nada fez para que se retificasse aquela nota.
(M. B. Tomo VI, págs. 897-916)

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